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Críticas

Cineplayers

Ang Lee, após vencer o Oscar, retorna novamente em grande forma. Não há nada revolucionário, mas o filme é bonito.

7,0

Ang Lee é um dos grandes diretores do cinema hoje. Seus filmes são todos muito bem feitos, delicados, inteligentes, bem dirigidos, com atores interpretando bem. Só tem um porém: suas obras são muito tradicionais, no limite do conservador. Ou seja, não espere de Ang Lee nada de revolucionário ou vanguardista. Dele teremos delicadeza, riqueza de detalhes, grande beleza visual, mas tudo dentro dos padrões do cinemão americano.

Assim, seu último filme, o longo e monocórdio Lust, Caution, causou polêmica no Festival de Veneza, de onde saiu vencedor, pelas "tórridas cenas de sexo". Não vá ver o filme esperando uma orgia descomunal nem um bacanal explícito, pois não é essa a praia de Ang Lee: são apenas dois atores fazendo sexo com sofreguidão e entrega, com alguns closes nos genitais e alguma violência. Mais do que isso não entra no cinema do singelo Ang Lee, uma vez que ele preserva um certo recato oriental nas suas obras.

Lust, Caution é uma história de espionagem, trama de assassinato e paixão na Shanghai ocupada pelos japoneses e todas as implicações da entrada da Inglaterra e dos EUA para a solução do problema. Tony Leung é o chefão da polícia colaboracionista que um grupo de universitários tenta matar, para isso fazendo-o apaixonar-se por uma das atrizes amadoras do grupo de teatro local. Falado em mandarim, mas com partes em cantonês e shanghainês, o filme fez rir bastante os chineses presentes na sessão que vi aqui em Montréal – ficou claro que muita coisa se perde na tradução.

Traz o símbolo sexual Tony Leung com seu ar distante, roupas impecáveis e poses sensuais, mas nada de muito original ou criativo, pois Ang Lee não tem a sensualidade de Wong Kar Wai, que dirigiu Leung em Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love, 2000), melhor ator e diretor em Cannes, e na sua continuação, 2046 (Idem, 2004). Leung apenas repetes alguns cacoetes que se tornam cansativos, exceto, talvez, quando, na cena de sexo, a câmera capta seus testículos escuros e sem pêlos – que nem é novidade, para quem o viu em O Amante (L'Amant, 1992). Aos testículos glabros, Ang Lee contrapõe as axilas cabeludas da atriz Wei Tang e os movimentos das mãos do integrante gordinho lavando roupa, numa clara alusão à masturbação. Detalhes: a grande arte de Ang Lee está nos detalhes.

Ninguém ficará entediado em ver Lust, Caution, mas era de se esperar mais. Como o filme anterior de Ang Lee, O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), a trama evolui lentamente – o primeiro beijo só vai aparecer depois de hora e meia de projeção, quando Leung tira o cinto e dá umas correiadas na moça. Ang Lee não tem pressa e pega os detalhes do batom que ela deixa nos copos, o jogo de mesa com que as damas endinheiradas passam o tempo, o roupa de dormir do personagem principal. Termina tão triste como no filme dos caubóis gays, mas Ang Lee não supera, com Lust, Caution, o filme que também lhe deu o prêmio máximo no Festival de Veneza e o Oscar de melhor direção, além de uma penca de outras distinções.

Lust, Caution tem aquilo que faz seus piores filmes, Cavalgada com o Diabo (Ride with the Devil, 1999) e Hulk (Idem, 2003): trama muito certinha, andamento clássico pernóstico, enquadramento certeiros, sempre de bom gosto, além de uma reconstituição de época excessiva. Foi melhor o cineaste no magnífico Tempestade de Gelo (The Ice Storm, 1997), quando o cineasta finalmente ousou, nesse que é seu melhor trabalho.

Porque Ang Lee funciona melhor assim, quando bota toda sua sensibilidade e suavidade, além de sua visão dentro dos cânones, entregues a assuntos inusitados e desafiadores. Foi a fórmula que levou Brokeback Mountain a fazer o sucesso de público que teve. Aqui, discutindo política, fazendo filme de época quadrado como ja havia feito em Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility, 1995) e não incitando o ator principal a sair de sua caricatura, Lust, Caution se atrapalha e não alça vôo, apesar dos belos momentos que o filme nos reserva nas suas quase três horas de duração, entre eles a música de Alexandre Desplat, a fotografia de Rodrigo Prieto e a trilha sonora cheia de boleros latinos, Edgar Elgar e a Shanghai dos anos 40, explodindo com força na tela, seja na pobreza e humilhação da derrota da guerra ou mesmo nos filmes citados, Suspeita (Spellbound, 1945) e Interlúdio (Notorius, 1946), ambos de Alfred Hitchcock.

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