Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Drama intimista com bons momentos e atuações, mas nada memorável.

6,5

Um dos grandes desafios para as distribuidoras de cinema aqui no Brasil é encontrar uma maneira de lançar um filme como Destinos Ligados (Mother and Child, 2009). Afinal, trata-se de uma produção modesta, um drama intimista e focado nos personagens, praticamente perdido em meio aos lançamentos multimilionários do verão norte-americano. Além disso, a temporada de prêmios ainda não começou, o que significa menos exposição para este tipo de obra. Ainda assim, uma boa parte de filmes dessa natureza consegue superar as dificuldades e acaba encontrando uma brecha para chegar às telonas, falando com um público específico que, na verdade, quer mais é fugir dos blockbusters que se acumulam nos cinemas e na mídia. Destinos Ligados é destinado exatamente a este público.

Escrito e dirigido por Rodrigo García (filho do escritor colombiano Gabriel García Márquez), a produção segue a linha de trabalho dos latinos Alejandro González Iñarritu e Guillermo Arriaga (diretor e roteirista, respectivamente, dos excelentes Amores Brutos (Amores Perros, 2000) e 21 Gramas (21 Grams, 2003)) ao contar diversas histórias paralelas e dando espaço para personagens e atores ganharem destaque. Aqui, são três as tramas principais: uma mulher de meia-idade tentando conviver com um erro do passado; uma jovem e ambiciosa advogada capaz de fazer o que for preciso para alcançar os seus objetivos; e um jovem casal em processo de adoção do seu primeiro filho. De certa forma, as histórias estão interligadas e, desnecessário dizer, uma acabará influenciando no desfecho de outra.

Rodrigo García demonstra em Destinos Ligados a mesma preocupação com a alma feminina que demonstrou em Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela (Things You Can Tell Just by Looking at Her, 2000) e Questão de Vida (Nive Lives, 2005), dois de seus trabalhos anteriores. Mesmo bastante diferentes entre si, as três protagonistas de seu novo filme são desenvolvidas com cuidado pelo roteiro, que consegue fugir dos estereótipos e da previsibilidade. Elizabeth e Karen, principalmente, tornam-se na tela pessoas reais e complexas, com dúvidas e fragilidades como qualquer outro ser humano. Nenhuma delas é necessariamente simpática; a plateia é levada não a “torcer” por elas, mas a compreendê-las, o que não deixa de ser igualmente satisfatório.

Claro que o elenco também ajuda para isso. Ainda que Kerry Washington por vezes pareça exagerar no papel de Lucy, Annette Bening e Naomi Watts realmente encarnam suas personagens com todo o talento que já demonstraram em outras ocasiões. Bening, mais do que isso, parece se despir de qualquer vaidade, aceitando que o diretor a mostre com rugas e aspecto bastante envelhecido, algo fundamental para transmitir o peso que sua personagem carrega. Enquanto isso, Watts não está menos que excelente, fazendo de Elizabeth uma mulher determinada, e até mesmo cruel, mas cuja fachada não consegue esconder certa vulnerabilidade. A atriz consegue transmitir isso sem exageros, com gestos mínimos e olhares sempre significativos. São dois belíssimos trabalhos que, caso Destinos Ligados tivesse sido lançado mais perto do final do ano, poderiam colocar as atrizes nas listas de possíveis premiações.

Enquanto isso, o diretor (também responsável por diversos episódios da premiadíssima e finada série A Sete Palmos) se mostra maduro na condução da narrativa, apostando na sutileza e evitando exposições desnecessárias. A câmera de García mostra apenas o essencial, sem excessos, por muitas vezes fazendo que os olhares e pequenos gestos digam mais que as palavras. Destinos Ligados é um filme com abordagem adulta não somente no tema, mas também na forma com a qual é filmado. O mesmo deve ser dito, aliás, dos diálogos, sempre inteligentes e evitando simplificações, além de proporcionar às atrizes certas falas que se revelam bastante perspicazes. Em certo momento, por exemplo, alguém pergunta à personagem de Naomi Watts se ela fala sempre a verdade, ao que a advogada responde: “A verdade é mais fácil de lembrar.”

É uma pena, porém, que estas qualidades e a belíssima construção de personagens por parte do roteiro e do elenco durem somente até um determinado momento do filme. De forma quase inexplicável, García decide simplesmente virar de cabeça para baixo tudo aquilo que havia sido apresentado sobre Elizabeth e Karen: a primeira simplesmente deixa o espírito ambicioso de lado assim que descobre algo sobre si mesmo, enquanto a segunda parece superar todos os seus problemas de intimidade e relacionamento num piscar de olhos. O diretor opta por não mostrar este arco dos personagens, preferindo dar um salto no tempo onde as mulheres já parecem outras pessoas, com atitudes que nada condizem com quem eram até então. Aliás, o tempo parece pular somente para estas duas, já que, a julgar pela barriga da garota que vai ceder a criança à adoção, a história de Lucy não sofre com isso.

García ainda sofre uma dificuldade típica de quem se aventura por estes filmes com histórias paralelas: manter o mesmo nível em todas as tramas. No caso de Destinos Ligados, por exemplo, a história do casal procurando uma criança para adoção é indiscutivelmente mais fraca que as outras, tanto por ter menos tempo em tela quanto pelo fato de os personagens não serem tão bem desenvolvidos. Dessa forma, o filme acaba sendo prejudicado por uma falta de equilíbrio, tornando-se enfadonho quase todas as vezes em que a jornada de Lucy e Joseph é o foco. Como se não bastasse, García também comete o deslize de apelar, ao final, para cenas que mais parecem pertencer a uma novela da Rede Globo (como aquela no jardim, com a criança correndo pela grama), algo praticamente imperdoável para um filme que havia sido construído de maneira sóbria e sem qualquer dose sentimentalismo.

Como resultado, Destinos Ligados não passa de um drama eficiente, com seus bons momentos, porém nada memorável. Para filmes de sua estirpe e tamanho, a única chance de receber alguma atenção é realmente se diferenciando pela qualidade. Infelizmente, exceto pelo par de boas atuações de Bening e Watts, isso não acontece.

Comentários (0)

Faça login para comentar.