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Críticas

Cineplayers

Por muitos, considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempos. Define bem a personalidade de Glauber Rocha.

9,0

"Vou contar uma história, na verdade, é imaginação. Abra bem os seus olhos pra enxergar com atenção. É coisa de Deus e Diabo, lá nos confins do sertão.”

Um dos filmes mais representativos do Cinema Novo, corrente artística liderada por Glauber Rocha, que teve como adeptos Nelson Pereira do Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues entre outros diretores. Movimento fundado na metade da década de 50, que era composto em sua maioria por jovens cineastas. O Cinema Brasileiro estava em declínio com as falências das companhias cinematográficas paulistas. Rio, 40 Graus (1955), filme de Nelson Pereira dos Santos, abre espaço para o ínicio deste movimento, que tinha como principal influência o Neo-Realismo Italiano e a Nouvelle-Vague Francesa. Com orçamentos baixos, a principal proposta era fazer filmes anti-industriais, bárbaros e polêmicos.

É possível identificar no roteiro de Deus e o Diabo na Terra do Sol, filme dirigido e escrito por Glauber Rocha, influências de Jean-Paul Sartre com sua peça teatral O Diabo e o Bom Deus, mas Glauber afirmava que o personagem de Antônio das Mortes era verídico, seu nome: José Rufino. Paulo Gil Soares documentou a história deste nordestino que matou muitos cangaceiros. Outra grande influência de Glauber para executar este filme foi o lendário Encouraçado Potemkin de Sergei Eisenstein. Ambos os filmes mudaram o rumo do cinema em suas respectivas épocas, principalmente esteticamente.

O filme inicia com Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), um casal de trabalhadores nordestinos que sofrem com a pobreza, a fome, a miséria do sertão. O vaqueiro Manuel se vê no meio de uma injustiça com seu patrão, o Coronel Morais (Milton Roda) e o mata. Apartir daí começa a saga do pobre casal que se vê obrigado a fugir e seguir seu destino. Encontram Sebastião (Lídio Silva), beato que se dizia santo e milagreiro e seus seguidores. O profeta promete prosperidade e salvação, porém no decorrer do filme se mostra um homem louco, alucinado e promete o impossível ao povo, que com tanta miséria, fome e necessidades precisa ouvir algumas palavras confortadoras para continuarem suas pobres vidas. Manuel crê firmemente nas palavras do falso salvador, embora Rosa percebe a loucura do falso Deus negro e, após o sacrifício de uma criança, acaba matando-o. Enquanto isso Antônio das Mortes (Maurício do Valle) lidera um ataque a mando dos latifundiários locais e da igreja católica, que pedem a morte dos seguidores do beato. De forma estranha, Antônio das Morte, o matador de cangaceiros deixa o casal Manuel e Rosa vivos para contar como foi o massacre à caravana de Sebastião.

Mais uma vez nosso casal está sozinho nas veredas do sertão e dessa vez acaba encontrando o bando de Corisco (Othon Bastos), cangaceiro remanescente do grupo de Lampião. Corisco, sendo um homem destemido que muito sofreu na vida, batiza Manuel de Satanás e este agora tem novamente um sentido em sua vida, dessa vez completamente imerso no mundo do crime e do cangaço nordestino. Depois de muita baderna e matança no nordeste, Antônio das Mortes resolve acabar de vez com os cangaceiros. Uma parte do filme que nos remete aos Westerns Hollywoodianos que com certeza influenciaram Glauber Rocha. Um faroeste no terceiro mundo. A vestimenta de Antônio das Mortes é toda característica, capa longa onde pode guardar seus utensílios, chapéu com amplas abas para se proteger do sol. Com tudo isso, o personagem ganha um ar misterioso, frio e solitário.

Outro personagem importante é o Cego Júlio. Narrador eloqüente que se torna crucial nos principais momentos do filme, narrando, cantando sempre de uma forma crítica e aguçada.

- É matando, Antônio? É matando que você ajuda seus irmãos?
- Sebastião também me perguntou. Eu não queria, mas precisava. Eu não matei os beatos pelo dinheiro. Matei porque não posso viver descansado com essa miséria.
- A culpa não é do povo, Antônio! Não é do povo!
- Um dia vai ter uma guerra maior nesse sertão. Uma guerra grande, sem a cegueira de Deus e o Diabo. E para que essa guerra comece logo, eu, que já matei Sebastião, vou matar Corisco. E depois morrer de vez, que nós somos tudo uma mesma coisa.
Conversa entre Antônio das Mortes e o Cego Júlio

Considerado por muitos como o melhor filme brasileiro, Deus e o Diabo na Terra do Sol exemplifica bem a personalidade de Glauber. Um sujeito ambíguo, complicado, perturbado, controverso. Mandado ao exílio pelos militares, traiu a esquerda, e apoiou Geisel. Posteriormente traiu os militares e ninguém mais o queria. Muito polêmico, conseguiu a admiração de críticos e cineastas. O próprio Martin Scorsese nunca escondeu sua paixão pela arte de Glauber Rocha e atualmente patrocina a recuperação dos filmes do cineasta baiano.

Música de Heitor Villa-Lobos, do qual Glauber era extremamente fã, cantada por Sérgio Ricardo e com letras próprias do diretor. Ganhou diversos prêmios e festivais por todo o globo. Uma atuação brilhante de Othon Bastos. Glauber Rocha, então com 23 anos, conseguiu seu lugar na eternidade com o filme que melhor simboliza o Cinema Novo, que melhor retrata a cultura folclórica brasileira.

"Eu parti do texto poético. A origem de Deus e o Diabo é uma língua metafórica, a literatura de cordel. No Nordeste, os cegos, nos circos, nas feiras, nos teatros populares, começam uma história cantando: eu vou lhes contar uma história, que é de verdade e de imaginação, ou então, que é imaginação verdadeira. Toda minha formação foi feita nesse clima. A idéia do filme me veio espontaneamente." - Glauber Rocha

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