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Críticas

Cineplayers

Pura nitroglicerina.

8,0

Django foi legítimo filho do novo modo de se pensar e fazer western na Itália. Deslocado espacial e temporalmente, o faroeste italiano aposentava as grandes narrativas que construíram toda uma identidade nacional para os Estados Unidos, para que - após uma fase germinal em que basicamente copiava as fórmulas - a partir de Por Um Punhado de Dólares (Per Um Pugno di Dollari, 1964), capitaneada pela dupla Sergio Leone e Clint Eastwood, pudesse introduzir um novo olhar no imaginário popular.

Ajudado pelo avanço da tecnologia cinematográfica, com o desenvolvimento da proporção de tela e as lentes, os novos filmes eram marcados pela encenação em profundidade, pelo “balé da morte” dos personagens, da atenção ao ambiente que os cercava, da preocupação dada pelas novas escolas de cinema à época ao realismo, o spaghetti western inaugurou um western imoral e sanguinário, onde não há pausa para reflexão ou consciência, apenas para ganho pessoal e exterminação imediata de qualquer ameaça visível. Django é um dos maiores exemplos disso.

Dentre tantos personagens que estrelaram franquias (Trinity, Sartana, Sabata), Django com o tempo provaria ser talvez o mais duradouro: o trabalho do diretor Sergio Corbucci e do ator Franco Nero renderam várias continuações não-oficiais com o pistoleiro protagonista sendo interpretado por outros atores, até desembocar em resultados curiosos – para não dizer bizarros – como a salada ocidente/oriente presente em Sukiyaki Western Django (idem, 2007), do japonês Takashi Miike.

Uma das imagens mais célebres do filão spaghetti, provavelmente, é o início do filme, onde o personagem é apresentado com o “caráter” que o tornaria clássico: ao som da dramática música-tema, um homem com barba por fazer e pele maltratada pelo sol caminha, totalmente vestido de preto, arrastando consigo um caixão por um deserto – não o deserto do tecnicolor, mas um deserto pálido, árido, seco e sem vida.

Encarnado por Franco Nero, o pistoleiro passeia por um Oeste ameaçador, onde atrocidades acontecem no meio do caminho e as cidades são abandonadas, lamacentas, fantasmagóricas. A visão realista e quase escatológica de Corbucci pariu uma obra onde não mais importava o valor da casa, da propriedade e da honra, da inter-relação entre a esfera pública e a privada. Interessa nessa obra o ganho individual, o nomadismo, a fuga daquela terra hostil.

Não à toa, portanto, que a história de Django seja recheada de traição e deslealdade: em meio ao bacanal de violência gráfica, abundam os elementos visuais que configuram toda uma nova experiência sensória: os interiores feios, sujos e decadentes; a diversidade étnica do elenco protagonista; os figurinos – é notório testemunhar um “homem de preto” como protagonista, contrastando com a antiga paleta cromática que refletiam a integridade e a honra. A aparência de Django dá certeza para o espectador que tal homem segue um código de ética muito particular, que se estiver em desvantagem não mede esforços, como é revelado já na clássica cena onde é revelado o conteúdo do caixão que o pistoleiro arrasta para cima e para baixo.

É notório também que aqui, como típico representante de uma nova década, se o protagonista tinha uma consciência mais amoral do que seus predecessores, ele também era reconhecido como “de carne e osso”, passível, assim como o Blondie de Clint Eastwood, de receber ferimentos e punições físicas. Django é filho do seu contexto, não um herói, mas um sobrevivente. Sem tanta ética, sem balas infinitas, sem invencibilidade. Um homem que sangra, sua, quebra e fica apavorado.

É fácil perceber o que tanto atraiu Tarantino para tecer o vindouro Django Livre (Django Unchained,  2012), a mescla do diretor americano do spaghetti western com a blaxploitation, dois estilos marcadamente reconhecidos pela “casca grossa”: o filme é um legítimo representante da violência exploitation que tomou o cinema comercial de orçamento mais modesto nas décadas de sessenta e setenta. Corbucci potencializa toda a podreira daquele ambiente com suas panorâmicas, closes e zooms de faces para tecer um filme que não pára por um segundo e está sempre arquitetando novas surpresas, novas tramas e novos desenlaces; não há grande mote ou conflito em Django, assim como em muito de seus congêneres. A América do spaghetti western já não fantasiava mais com nada, o povo já era filho do encontro de culturas vivendo  em uma terra sem lei. Escolha compreensível para um cineasta que tornou malditos - mas também mais tridimensionais - gângsteres, espadachins, soldados e outras figuras clássicas da iconografia popular do século vinte.

Django de Sergio Corbucci é um dos luminares dessa cruza entre Novo e Velho Mundo, do encontro do tema preferido da Grande Forma de narrativa americana com o sensacionalismo contracultural e controverso dos novos tempos, da transformação e questionamento de valores antes gravados em pedra, do multiculturalismo, da dissolução da fronteira  territorial e étnica (tanto por trás quanto na frente das câmeras).  Os alucinados tiroteios encenados com primor realista por Corbucci fizeram Django ser o que é até hoje: um spaghetti genuíno.

Comentários (24)

Victor Ramos | quinta-feira, 20 de Dezembro de 2012 - 21:36

Mas enfim, foi apenas um toque. E essa atitude do Godard é a coisa mais madura que pode existir em alguém enquanto apreciador de arte; dá para notar pelo seu cinema que, apesar de usar uma linguagem extremamente rebuscada mergulhada em divagações, ele aceita (e defende, muitas vezes) a linguagem popular. E não se esqueçam: o cara pretende rodar o seu próximo filme em 3D.

Alexandre Carlos Aguiar | sexta-feira, 21 de Dezembro de 2012 - 08:07

Victor, eu não discordo desse ponto de vista, por isso coloquei ARTE entre parênteses. Este apartheid entre ARTE e os caras que apenas querem se divertir é que eu condeno. Quando se faz críticas a filmes meramente comerciais (como se ganhar dinheiro fosse crime) achando que nada acrescentam à ARTE do cinema, está-se impondo uma lógica particular, que é a do crítico e seu grupo, e não do cinema como um todo. Classificam-se como Filmes blocbusters, A, B, C, ou sem classificação, justamente para dizer que os públicos são distintos e não se misturam. Torcem-se os narizes, como se alguém fosse dotado de mais intelectualidade do que outros. Compreende?
E o curioso é que, num certo dia ensolarado, aquela porcaria feita para ganhar dinheiro e passar na sessão da tarde, acaba virando cult. Entendeu aonde quero chegar?

Victor Ramos | sexta-feira, 21 de Dezembro de 2012 - 15:02

Hã-hã. Entendi sim. Mas fiz apenas um comentário.

Jairo Simões | quarta-feira, 09 de Janeiro de 2013 - 11:08

Assisti ontem e achei muito bom! Foi uma pena o menu do dvd ser um puta spoiler.

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