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Críticas

Cineplayers

O meio juvenil em forma poética.

6,5
Andrea Arnold, em Aquário (Fish Tank, 2009), explorou de maneira tridimensional o interior complexado de uma adolescente em crise, registrando seu cotidiano, suas relações pessoais e seus interesses. Em Docinho da América (American Honey, 2016), que concorreu à Palma de Ouro de 2016, Arnold não se preocupou com sentimentalismo familiar ou qualquer relação externa às personagens, mas apenas com o relacionamento intrínseco, propagado por jovens à margem da sociedade, esquecidos por um sistema maior, e que, de alguma maneira lícita, tentam ganhar a vida sem pensar no amanhã. Lícito é a palavra para descrever o âmago deste filme; geralmente, em projetos com esta premissa, os personagens tentam tirar proveito de maneira mais fácil, com tráfico de drogas, furtos e outros atos ilícito. Neste aqui, porém, a peculiaridade das práticas se atribuem a um comércio totalmente honesto, entretanto, moralmente duvidoso.

Seguimos a história de Star, uma garota que recentemente fez 18 anos e não tem nada a perder na vida - mesmo cuidando e, de certa forma, amando duas crianças de um namorado agressivo - e certo dia, no estacionamento de um mercado, conhece um grupo itinerante, que sai pelas terras americanas vendendo assinatura de revistas, financiados por Krystal, interpretada por Riley Keough. Logo conhecemos Jake, personagem de Shia LaBeouf, que a recruta para o grupo, quando vislumbra finalmente um suposto gosto de liberdade.

Embora tenha um argumento simples, bastante explorado pela indústria independente americana, o longa contém quase 3 horas de duração, tempo atípico para este tipo de cinema, e felizmente a diretora, focando nos personagens e suas vivências, conseguiu sustentar esta duração, que é assegurada por boas atuações, uma fotografia bem relacionada com a essência da obra e momentos reconfortantes, proporcionados por uma narrativa pessoal e segmentada por diálogos simples, comuns, porém, naquele ambiente, bastante verossímil. O meio entre os jovens vendedores é extremamente descontraído, por vezes imaturo e informal, regado por personagens que estereotipam essa raíz: o festeiro chato, o depressivo, a bonita, a feia, a drogada - sempre o modelo da insignificância adolescente - todavia, apenas Star, Jake e Krystal são explorados e construídos de maneira robusta, cada um com seus maneirismos.

Star, que intensifica o rótulo do sentimento humanitário, está em busca do amor verdadeiro e de experiências marcantes, disposta a tudo para alcançar seus sonhos - típico clichê americano. Jake, embora participe das festas e se divirta junto com os outros, é alguém bastante focado em seu trabalho e que usa de artifícios pouco éticos para chegar aos seus objetivos, e que também tem um passado complexo, semelhante ao de Star e seus problemas familiares ocultos. Ainda há Krystal, uma garota forte, que comanda a trupe e apenas deseja o maior lucro possível e que, levianamente, se caracteriza como a antagonista do filme, entrando na maioria do tempo em conflito com a protagonista.

O longa exibe várias passagens de seguimento de roteiro e algumas de substância interpretativa. Por exemplo, um momento em que o grupo chega a Kansas City, uma cidade relativamente grande dos Estados Unidos, e todos se encantam com o tamanho dos prédios e a contínua movimentação social, vislumbrando o novo; porém, eles não são o modelo de pessoa de quem esperamos este comportamento trivial de descoberta, já que, desde o início, aparecem regados por músicas populares de procedência regular a qualquer jovem urbano, e esbanjam suas tecnologias e aparatos. Esta conduta é manifestada pois foi um meio da diretora nos mostrar a falta de liberdade individual sob ótica de indivíduos presos a terras conservadoras e pessoas de atitudes déspotas; entretanto, o meio utilizado por estes para alcançar essa conjuntura é descrito na narrativa fílmica como ineficiente, a partir do momento em que os personagens estão presos a um traço de mercado lucrativo, uma clara e há muito tempo batida colocação sobre o sistema monetário e como este pode corromper o ser humano.

A pretensão de ser um filme de estrada equiparado aos grandes clássicos como Paris, Texas (idem, 1984) e Terra de Ninguém (Badlands, 1973) feito, recentemente, por Walter Salles em Na Estrada (On the Road, 2012), é inexistente neste. O longa logo de cara assume sua personalidade, estabelecendo um vazio ideológico, tendo sua natureza puramente contemplativa e humana - mesmo exibindo algumas pequenas críticas sociais - predestinado à vida, mas sem presunção à algo inteligente. Entretanto, este vácuo contextual se estende em grande escala, fazendo com que o filme perca sua força e identidade com o passar das horas, beirando ao maçante de forma equivalente ao filme de Salles e seu onanismo intelectual. A exaustão proferida na metade não se justifica com o final da história, esta que é apresentada de maneira bem tradicional e direta, mesmo com uma forma artística bastante apurada e pouco ordinária. O entorno substancial se opõe à experiência pessoal, muito parecido com o que vimos no filme de Xavier Dolan, Mommy (idem, 2014) e seus personagens importunamente histéricos; caracterizando uma exaustão sem necessidade nenhuma. Uma história que poderia ser contada em metade de seu tempo e poderia se tornar um exemplo para a nova geração de realizadores.

Comentários (6)

Pedro Tavares | sábado, 31 de Dezembro de 2016 - 15:45

Louco pra ver. Gosto muito da Andrea Arnold.

Luís F. Beloto Cabral | sábado, 31 de Dezembro de 2016 - 15:51

DOCINHO da América??? Esse foi o título em português???

Felipe Ishac | sábado, 31 de Dezembro de 2016 - 16:25

foi sim, tbm não curti rsrs

Jonas | sábado, 07 de Janeiro de 2017 - 11:33

Filmão!!!

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