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Críticas

Cineplayers

Uma narrativa do luto.

7,5

Os Dois Lados do Amor é o resultado acorvadado de uma experiência narrativa proposta por Ned Benson, diretor dos filmes The Disappearance of Eleanor Rigby: Her e Him, montados como um só filme, Them, para seu lançamento no Festival de Cannes 2014. A última versão é a que estreou no Brasil na última quinta-feira, 12 de março, e provavelmente será a única a ter lançamento comercial por aqui.

Mesmo com a incômoda sensação de que estou escrevendo sobre algo que vi incompleto, vou me prender à ideia de que o Them também é uma obra por si só para falar sobre ela. Nada do que está escrito aqui pode ser aplicado ao Her ou Him simplesmente porque não tive qualquer experiência com os outros filmes e, francamente, não estou interessado em ter. Os Dois Lados do Amor é bem completo sozinho.

O filme acompanha o processo de luto de Elanor (Jessica Chastain) e Conor Ludlow (James McAvoy) enquanto pontua a narrativa com flashbacks do início da relação dos dois. No presente, Elanor se distancia de Connor depois da perda do filho, voltando a morar com os pais. Connor segue numa dor silenciosa, administrando um restaurante próximo da falência e tentando se reaproximar de Eleanor.

Os Dois Lados do Amor não deixa expor nada da ambição do projeto original. É um filme pequeno, simples, sem firulas estéticas ou narrativas. Os flashbacks são os únicos artifícios que vão mais na contramão do fluxo do filme, que se resolveria bem sem eles, acredito. Parece-me que sublinhar o amor ingênuo que uma vez foi característica do casal envolve um tanto de subestimação do público e do próprio filme. Os Dois Lados do Amor é perfeitamente claro sobre o passado dos personagens mesmo sem minuciá-lo na tela.

O título nacional faz pouco sentido para o filme, uma referência vazia ao que foi pretendido. Não há em Os Dois Lados do Amor uma separação de pontos de vista. O filme acompanha, de fato, duas trajetórias distintas pelo luto, debruçando-se sobre o “desaparecimento” social e emotivo de Eleanor, que Chastain interpreta como a grande atriz que é, nunca traindo o processo delicado de sua personagem. Além disso, o relacionamento dos dois nunca está tão em destaque quanto a dor deles. O diretor e roteirista Ned Benson permite que suas criações sigam rumo próprio e não tenta interferir no caminho delas para conquistar qualquer lirismo na conclusão.

E é realmente impressionante o caráter realista de Os Dois Lados do Amor. A construção da narrativa está presa ao acompanhamento dos personagens, e, no compromisso com eles, não há nenhuma parte tentando se impor. O roteiro, cheio de diálogos, interrompe-os com a naturalidade de quem não tem nenhuma intenção de inspirar futuras citações. A montagem segue a respiração particular da fotografia, esta talvez a grande digna de louros do filme, permitindo um quadro frio, mas afetuoso de Eleanor, Connor e seus familiares.

Na sessão do filme, fui levado à lembrança de outras narrativas do luto recentes. É um tema estranhamente difícil no audiovisual. Talvez pela sua delicadeza e limitações, normalmente é retratado como uma história secundária dentro de uma trama maior de mistério de assassinato e afins.

Em Os Dois Lados do Amor, gosto muito de como Ned Benson trabalha visualmente o processo de luto, colocando-o em conjunto com a vivência da cidade de Nova York. É incrível como o filme faz os personagens pertencerem ao seu cenário. Quando Jessica Chastain caminha pela ponte do Brooklyn, corre pelo Central Park ou simplesmente esbarra em conhecidos pelas ruas de Manhattan, parece sempre que o humor de Eleanor diz algo sobre o lugar em que está, ou vice-versa (é a indistinção que me fascina).

Enfim, não se deixe abater pelo projeto que Os Dois Lados do Amor não representa. Apesar de tropeços fáceis de relevar (alguns podem até se encantar com as cenas do passado oh-tão-amoroso dos protagonistas), o filme tem sua beleza conquistada por um realismo de representação e personagens bastante satisfatório de se deparar no cinema.

Comentários (1)

Paula Lucatelli | quinta-feira, 19 de Março de 2015 - 14:06

Concordo, Rafael!!
As versões Him e Her irão acrescentar muito ao "conjunto"!

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