Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Uma obra-prima do horror gótico que vence o explícito com a mais profunda sutileza.

8,0

Quando comecei a assistir a esses filmes de monstros clássicos da Universal, recentemente revividos pelo mercado graças ao péssimo Van Helsing - O Caçador de Monstros, acreditava que iria encontrar boas fontes de pesquisa, mas nenhum filme que pudesse realmente ser elevado ao status de obra-prima do horror. Bem, estava enganado.

Drácula, lançado em 1931 (mesmo ano de Frankenstein), é baseado na obra-prima de Bram Stoker e na peça escrita por Hamilton Deane para a Broadway, em 1927; já um dos meus filmes preferidos da época. É impressionante como o tempo passou e há tantas características clássicas na obra, e mesmo assim ela continua tão bela e forte. Se deixou de ser aterrorizante pelas inúmeras cópias e versões ao longo do tempo, pelo menos continua incômoda e mantém muitas e muitas características marcantes que o definiram como símbolo de uma geração.

Conde Drácula é um vampiro que mora em um castelo, na Transilvânia, com três esposas. Ele decide se mudar para  Londres, onde conhece Mina e resolve transformá-la em uma morta-viva. Porém, ele não contava com a inteligência e a crença do doutor Van Helsing (que nada tem a ver com a recente caracterização de Hugh Jackman), um velho destemido a estragar os planos do perverso vampiro.

Toda aquela história clássica está por aqui: o medo de crucifixos, a marca dos dentes nos pescoços, a estaca de madeira que deve ser enfiada no peito, a metamorfose para morcego e lobo, etc. Uma coisa que o público pode sentir falta são os dois caninos do vampirão, que simplesmente não aparecem no longa. Mas há uma explicação para isso: trabalhando de forma incrivelmente eficiente com o subentendido, a obra estabelece contato com a imaginação de quem quer que esteja assistindo ao filme – e isso cria um clima muito mais competente do que o monstro correndo atrás de alguém (como no final de Frankenstein). E, nesse tipo de filme, clima é tudo.

Além do mais, a obra acerta ao não apressar as coisas: tudo é lento, pensado, onde cada movimento está no seu tempo certo. Somado à falta de som, cria um clima pesado, onde tudo o que está sendo mostrado na tela não soa ridículo. Mérito também da convincente direção de arte, na hora de criar lindos cenários  sujos, e da fotografia, que os ilumina de maneira amedrontadora, com várias sombras aderindo-se aos cenários de forma quase expressionista (só que com formas bem definidas). Há ainda umas duas ou três seqüências em locação, algo que é infinitamente mais agradável do que ver aqueles cenários mal feitos de paisagens abertas. O filme ainda pega emprestado alguns planos de filmes mudos, como, por exemplo, a pessoa falar “este crucifixo” e aparecer, estático na tela, um crucifixo na mão de alguém. Vestígios de um cinema que ainda estava se acostumando a falar.

Agora, tudo poderia ir por água abaixo caso o homem no papel principal de Conde Drácula não fosse convincente o suficiente. Revivendo o papel que havia feito nos palcos da Broadway por míseros 500 dólares semanais (culpa da recente depressão que os Estados Unidos vinham se recuperando; e pensar que ele recusou o papel de monstro em Frankenstein porque o personagem não tinha falas), Bela Lugosi dá vida a um dos maiores ícones que o cinema já viu. Drácula, com seu charme macabro e olhar fixo dominador, não precisa de exagero de sangue, de violência e nem de dentes gigantescos para marcar presença. O seu timming é perfeito e cada movimento é milimetricamente encaixado para dar características ao personagem: veja, por exemplo, a mão contorcida quando Drácula levanta de seu caixão, ou então o jeito de olhar, com os olhos abertos em tamanhos diferentes, quando ele está fixo em alguém.

Mas não é apenas o personagem principal que brilha ao criar uma figura bizarra e, até os dias de hoje, incômoda. Dwight Frye causa arrepios com seu mal compreendido Renfield, de olhos esbugalhados e sorriso macabro no rosto. Suas ações são sempre convincentes e, se não causa mais medo, é impossível não sentir um certo incômodo com seu personagem. Já Helen Chandler, que ganhou um papel que poderia ter sido de Bette Davis, ficou com a personagem Mina, a jovem que Drácula quer transformar em morta-viva, e apesar de não brilhar como os outros dois destacados, nos faz temer pelo futuro da personagem – outro ponto fortíssimo de Drácula e que não existia em Frankenstein; aqui não sabemos o que vai acontecer ou não com a personagem, enquanto na obra do grandão costurado temos sempre a certeza da salvação.

Lógico que há defeitos: o final é simples demais, dando uma idéia de que tudo era mais fácil do que parecia ser na verdade. Mas são meros detalhes perto de uma obra muito mais grandiosa. Alguns o fadaram ao tempo, mas não podemos condenar a obra por ter sido tão copiada, satirizada e recriada. Preservando o clima ainda perturbador, o importante é que ela ainda consegue causar deslumbramento, mesmo com tantos anos já passados desde sua realização. É uma obra-prima do horror gótico que vence o explícito com a mais profunda sutileza.

Observação: O filme continha uma seqüência de abertura alertado para o terror contido na obra, igualzinho a Frankenstein, mas essa passagem foi retirada da versão em 1936. Hoje, essa pequena seqüência foi perdida com o tempo.

Comentários (1)

Gian Luca | sexta-feira, 18 de Novembro de 2011 - 18:11

Cunha, adorei sua crítica. Você captou todos os aspectos importantes dessa obra realmente belíssima.

Faça login para comentar.