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Críticas

Cineplayers

O justiceiro descalço.

9,0

Há filmes que, com o passar do tempo, ficam cada vez melhores. Ganham nova dimensão, novos significados, principalmente pelo desbravamento cinematográfico de obras que não conhecíamos anteriormente. À primeira vista, Duro de Matar (Die Hard, 1988) pode ser visto superficialmente como um filme de um homem exército invencível, que acaba sozinho com um assalto terrorista de dimensões catastróficas e que envolve milhões de dólares, muito tiro, sangue e morte. Mas a obra do sempre subestimado John McTiernan é bem mais profunda, referencial e icônica do que isto.

John McClane (Bruce Willis) é um policial que atravessa os Estados Unidos para reencontrar a ex-mulher Holly (Bonnie Bedelia), que o deixou ao se mudar com as crianças de Nova York para Los Angeles, por causa de um excelente emprego em uma multinacional. Só que a empresa atrai um grupo criminoso estrangeiro de alto nível, com diversos apetrechos tecnológicos e sem nenhum receio de matar para conseguir o que querem. Durante a tradicional festa de natal do local, eles invadem o prédio, tomam todos os funcionários como reféns e cabe a John, o peixe fora d’água, acabar com os planos dos terroristas antes que a situação piore ainda mais.

Provindo de uma safra de filmes de ação oitentistas como Rambo – Programado Para Matar (First Blood, 1982) e Comando Para Matar (Commando, 1985), a primeira coisa que nota-se com certa obviedade em Duro de Matar (quanta criatividade, hein?) é o seu pouco caso com homens vistos como importantes pelas sociedades que os cercam. Enquanto o Hans de Alan Rickman, o líder a frente dos terroristas, é frio, calculista e temido, percebe-se como todos os outros são tratados com desdém, como se a história fizesse questão de dispensá-los. Quem é o primeiro a morrer? O presidente da empresa, o homem de mais alto escalão entre todos os reféns. E os agentes do FBI? Vistos com olhos trêmulos pela maioria dos malfeitores em filmes policiais, aparecem aqui de forma tragicômica, com direito a risadas descontroladas e ações incompatíveis com os status de suas credenciais.

É em McClane que aquela cidade sem lei que se tornou o prédio encontra o seu justiceiro, o forasteiro que chega para acabar com o que quer que esteja deturpando a paz local. As referências ao faroeste clássico estão escancaradas, a começar pelo próprio policial nova-iorquino, que durante boa parte da projeção é conhecido por um pseudônimo; o famoso ‘homem sem nome’, o estrangeiro inesperado. Com a morte do xerife (o presidente da empresa), ele precisa trazer a paz para os moradores da cidade (quem trabalha por lá) contra a gangue que incomoda (os terroristas) e buscar sua a redenção pessoal (a paz com a esposa). Os bandidos vão sendo eliminados através do, vejam só, duelos com McClane.

Quem quer que ache exagerada a comparação, o que dizer do bandido que tenta citar Matar ou Morrer (High Noon, 1952), mas erra o nome de Gary Cooper como parceiro de Grace Kelly? McClane o corrige. Ele está certo, ele sabe o que está fazendo, ele conhece a comparação, seu adverário não, e isso o coloca em vantagem psicológica, ainda que ele esteja obviamente em desvantagem lógica - uma pistola apenas e descalço, o máximo do primitivismo, contra automáticas e um número bem maior de inimigos.

Em 88, quando o filme foi feito, as mulheres ainda tinham pouco espaço no mercado financeiro. Assim como Uma Secretária de Futuro (Working Girl, 1988) também explorou, era complicado para um policial durão, machista e imperfeito aceitar que sua esposa estivesse em uma posição profissional mais favorável do que ele. McClane é assim, apenas humano, de erros e acertos. Aparenta ser o protagonista politicamente incorreto, que mata sem piedade seus adversários enquanto fuma, mas é apenas um ser ordeiro que tenta fazer o que é correto para sua família em uma situação extraordinária. Apesar da briga, tanto ele quanto sua esposa mantém fotos um do outro na carteira, na mesa do trabalho... Eles se separaram, mas sua história juntos está longe de terminar.

Entre explosões de convincentes efeitos especiais mecânicos e tiros que destroçam pernas e órgãos sem a menor sutileza (imagine o filme sendo feito hoje), está uma história de amor e superação otimista em vencer traumas do passado – nesse sentido, há um personagem secundário de um policial importante para a manutenção psicológica de McClane. O filme é corajoso, autêntico, tem voz própria e uma ação que convence casuais e hardcores do cinema: é um dos melhores representantes do gênero disponíveis no mercado. Sua identidade é tanta que até mesmo o espírito natalino tem personalidade: é um dia quente, de sol escaldante e a única neve que aparece é a de papéis-dinheiro cobrindo o chão verdinho de branco; um branco valioso para alguns que não vale nada para outros. E, assim como os grandes nomes do Velho-Oeste do cinema americano, tudo termina com o herói partindo em direção ao Sol.

Comentários (13)

Bruno Cavalcanti | sexta-feira, 16 de Dezembro de 2011 - 01:20

Seria legal fazer críticas dos outros dois filmes😎

Jean Regis | sábado, 17 de Dezembro de 2011 - 15:19

Um bom exemplo de que pode haver inteligência e criatividade no cinema de ação, um tapa na cara dos realizadores atuais.²

Para mim, um dos melhores filmes de ação já feitos, nunca perdeu seu espaço. Ele estará sempre ali para que as gerações seguintes possam desfrutar desta obra magnifica e é com certeza um patamar ainda a ser alcançado pelos filmes de ação atuais.
Crítica excelente.

Caio Gouveia | terça-feira, 20 de Dezembro de 2011 - 14:17

Inesquecível. Uma aula de ação!

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 17:28

Símbolo máximo dos filmes de macho, de excército de um homem só!!!
A cena dos pés cheios de cacos de vidro é antológica.
Das sequëncias, o 2 é meio fraco; o 3 é muito bom e o 4.0 reinventou John McClane. Não vi o 5, mas está na fila....
Baita cítica, Cunha.

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