Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A educação de uma garota dos anos 60 contada com o frescor de um roteiro ágil e interpretações corretas.

7,0

Quando Educação foi listado entre os dez concorrentes à melhor filme nas indicações do Oscar 2010, tive um instante de dúvida, para logo depois entender o porquê daquilo (além dos fatores comerciais que me escapam completamente): apesar do envolvimento de uma garota com um homem mais velho já ter sido tema de muitas histórias, essa em particular é tão correta em suas escolhas que se torna leve e interessante de ser assistida. 

Nick Hornby, cultuado autor de Alta Fidelidade, pode ser percebido nas boas e rápidas respostas de Jenny (Carey Mulligan) aos adultos à sua volta, mas também na caracterização da mocinha inglesa que sonha em viver todos os clichês da juventude francesa, que era quem ditava moda entre os mais intelectualizados no começo dos anos 1960. Hornby tem essa competência em não apenas se apoiar em elementos da cultura pop para compôr seus personagens, mas para torná-los factíveis, como se fosse possível moldá-los a partir das músicas que ouvem, dos livros e roupas que usam, como suporte para interagir com os outros e com sua própria vida. O roteiro, adaptação de um texto autobiográfico da jornalista Lynn Barber, é outra das indicações do filme ao Oscar. Se ganha, não se sabe. Mas a menção a ele parece justa.

Jenny tem 16 anos e divide seu tempo entre a escola e as aulas de violoncelo. Aplicada aos estudos, ela segue cumprindo as exigências que seu pai (Alfred Molina) julga necessárias como investimento de futuro, numa família suburbana e sem parentes importantes: ser aprovada em Oxford. Sua rotina é traçada logo na vinheta de abertura e em um de seus primeiros diálogos com os pais percebemos que, apesar de obediente, ela não deixa escapar a oportunidade de enfrentá-los. E assim, tanto Hornby quanto a diretora Lone Scherfig sutilmente nos preparam para a mudança de hábitos pela qual Jenny passará ao conhecer David (Peter Sarsgaard). Ainda que ela passe a contestar a validade e o peso que a educação formal tenha em sua vida, este não é um sentimento totalmente estranho à personagem. O que se mostra a ela a partir desse relacionamento é a abertura de um novo universo ao qual ela não tinha acesso, o da boêmia, das discussões sobre pintura pré-rafaelista e viagens, que num outro contexto, estabelecem a relação do título com a palavra educação tomada de maneira ampla, englobando todas as experiências pela qual a personagem passará ao longo de uma hora e meia de filme.

Desde que David surge na história, e ainda que seja muito cedo para que tenhamos traçado qualquer expectativa sobre os personagens, já é possível perceber alguma ambiguidade de intenções na carona oferecida ao violoncelo de Jenny. Interessante como o cigarro no porta-luvas do carro dele pareça com um símbolo de abertura para o novo, caminho que, de início, Jenny recusa. No primeiro papo entre os dois outra sacada bacana também se apresenta, como porta de entrada de um na vida do outro: com a fome da juventude por novidades ela afirma estar interessada em conhecer pessoas que “saibam das coisas” e portanto, possam apresentá-la a elas. 

O filme não trabalha apenas com referências a cultura pop para marcar seu lugar no tempo cronológico. Toda a discussão em que Jenny se vê envolvida, entre tradição e boêmia, são também reflexos de um período pré-revolução sexual, quando as mulheres, ainda que arraigadas a questões culturais como a preservação da virgindade, já reconheciam o valor que a educação formal teria para emancipação feminina. Tanto Olivia Williams (como Miss Stubbs, a professora) quanto a participação impecável de Emma Thompson (como a diretora que em determinado momento sentencia que Jenny não seja ainda uma mulher) representam personagens-chave para clarear a visão da protagonista sobre suas escolhas e dúvidas. Juntos, estes três perfis femininos demonstram a diferença de perspectiva que as gerações em conflito naquele momento representavam: a jovem Jenny que põe em xeque a sissudez dos métodos e finalidades do ensino escolar; a professora que cumpre seu papel institucional e parece levar uma vida modorrenta, na verdade resguardando um universo particular mais rico do que aparenta; e a tradiconal diretora que guarda como águia a idéia da instituição escolar e familiar, mesmo reconhecendo que disperdiçar a oportunidade de entrada numa universidade como Oxford para casar-se seja um grande erro. Correm por fora do páreo dessa luta a mãe de Jenny (interpretada por Cara Seymour) representando as esposas como zeladoras do lar, caladas e eficientes em seu papel, enquanto na outra ponta Helen (Rosamund Pike) representa as sedutoras e despreocupadas mulheres que se ocupam de serem belas e acompanharem seus homens em aventuras regadas a champanhe.

Todas essas oportunidades são bem aproveitadas pelo roteiro de Hornby e potencializam um universo redondo aos personagens, concedendo aos atores um largo espaço para desenvolvê-los. Alfred Molina dispensa novas bajulações e aparece sempre correto, entre austero e descontraído. Carey Mulligan concorre ao Oscar de melhor atriz, indicação que deve apenas coroá-la como grande promessa de novas boas interpretações. E Peter Sarsgaard apresenta um daqueles canalhas apaixonantes que ganham todo mundo com bom papo. Atenção para a participação de Sally Hawkins lá no finalzinho do filme.

Como dito no começo, tudo bem correto, entre direção e roteiro; protagonista apaixonante; trilha e direção de artes aprovadas. Vale a pena conferir.

Comentários (0)

Faça login para comentar.