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Críticas

Cineplayers

Tempo de reavaliar sociedades.

9,0
Na abertura, vemos uma preparação ritualística. Descrição visual milímetrica de ações: uma jovem, preparação de música, uma árvore. Ao avisarmos a corda, sabemos que assistiremos a um suicídio. Não um qualquer, mas um no quintal da própria casa e que será assistido pela própria família. O primeiro longa metragem do jovem sul-africano Sibs Shongwe-La Mer abre com impacto claro e promete para os 80 minutos seguintes iguais sensações que unem sedução e repulsa; consegue. Mas como esse olhar sobre um lado diferenciado da juventude atual de seu país será absorvido, é uma equação de resolução muito particular. 

Após essa opção de choque, a alternativa mais esperada era um engate num processo contínuo de imagens fortes e exploração de um período etário repetitivo, mas a rasteira já foi preparada. A forma encontrada por La Mer é por outro tipo de impacto, e então vemos o discurso narrativo ser literalmente exposto, onde nos primeiros 10 minutos já temos um ainda superior momento de monólogo explosivo perpetrado por um dos diversos personagens que desfilam pela tela e que montam um mosaico da fauna jovem da África do Sul de maneira bem mais diversa que o errôneo título em português faz sugerir. Sim, o alvo é a juventude africana mais abastada e longe dos arroubos de violência cotidiana que assola o país. Em comum, além disso, temos a inquietação melancólica que os une a tantos outros exemplares da mesma faixa etária, independente do continente. 

Mas não quero dizer com isso que o exemplar de La Mer carece de originalidade narrativa. Se seus personagens estão em crise, o mesmo não podemos dizer desse vigoroso cinema investigativo coral, que através de uma visão plural sobre esse grupo de pessoas, consegue exibir um painel social completamente diferenciado dentro do que conhecemos do retratado pelo cinema que chega até nós sobre essa região. Com o pouco acesso que temos sobre a juventude de um continente tão pouco representado no cinema, ainda mais quando o filme escolhe deliberadamente não tomar partido por uma cor específica mas exatamente misturar negros e brancos na frente das câmeras, Eles Só Usam Black-Tie é ao mesmo tempo parceiro e oposto ao último vencedor do Oscar Moonlight, onde tudo que já descrevi acima deixa claro como, em termos narrativos, esses filmes pouco se pareçam - mesmo que, por conta da proximidade de lançamentos por aqui, muitos venham a uni-los de maneira equivocada. Mas a inadequação inerente a ambos os filmes e a já citada melancolia os tangencia. 

Tecnicamente ambicioso, La Mer exibe um preto e branco que unifica os retratos exibidos, como a querer unir figuras "parecidas porém diferentes"; somos todos iguais, clarifica o novato diretor com sua opção estética. A montagem igualmente aproxima e repele cada elemento humano em cena, os dividindo em capítulos nominados ao mesmo tempo em que os joga uns nas "tramas" dos outros, todos tendo a jovem suicida como ponto de convergência, liberando mais um ponto de união entre todos, enquanto também reflete o quão diferente era a relação de cada um com ela. Pra completar, também a trilha sonora tem destaque em cena, sublinhando as cenas com a virulência sutil que marca todo o projeto de estreia. 

Ao final da projeção, fica a ironia da dubiedade do seu realizador, que ao abrir sua história com um ato suicida, nos amacia para um discurso X quando obviamente queria um caminho Y, do debate e da exposição das entranhas sociais e psicológicas da juventude em que muito provavelmente está inserido, por isso a cumplicidade e a pungência de seus diálogos e monólogos, todos frutos de um profundo conhecedor da causa que defende. Não a toa o filme consegue reverberar tão profundamente mesmo numa realidade tão diversa, e em olhares tão distantes daquele universo. 

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