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Críticas

Cineplayers

Pinceladas sobre Elis.

4,0
Junto com as comédias nacionais escrachadas do nosso cinema atual (e que talvez sejam o que há de mais frutífero na produção brasileira, ao menos monetariamente falando) e que brotam em número cada vez maior, as cinebiografias de figuras importantes na história do brasileiro são o que há de mais favoritados para gerar a identificação entre o espectador e a figura retratada numa tela de cinema. Tem sido assim há muito tempo e com resultados satisfatórios em termos de público, indo de Cazuza - O Tempo Não Para, passando por 2 Filhos de Francisco, Somos Tão Jovens e chegando até Elis, reprodução até mesmo tardia da vida de uma das maiores cantoras (se não a maior, de acordo com muitos) da nossa música numa tela grande.

E em figuras como a de Elis Regina, o que não faltam são fatos, elementos e discussões sobre toda a conturbação emocional que permeou a vida da cantora, seja em seus relacionamentos, sua recusa em acompanhar as tendências do mercado fonográfico, seus problemas com o consumo de álcool, sua posição contra a ditadura militar… mesmo para os leigos em relação a vida de Elis (este que vos escreve é um), é absolutamente palpável o quanto Elis era humana, uma figura pública carregada de complexidade e intensidade, de egoísmo e orgulho, de um desejo de ser tão grande quanto pudesse. E isso está na obra do estreante Hugo Prata, mas não no formato abrangente e honesto que era merecido por Elis e seus admiradores.

Isso porque Elis, como muito tem sido apontado por aí, é um filme de pinceladas superficiais: os fatos estão lá, os conflitos estão lá, as ânsias e os sonhos de uma vida estão lá, mas todos inseridos dentro de uma narrativa que não apresenta nenhuma força de vontade em abandonar o lugar-comum. Elis muito parece com a típica guria do interior que chega na cidade grande deslumbrada e carregada de sonhos próprios, que leva recusas e recusas em suas tentativas de abraçar sua paixão em cantar até que (e isso num óbvio trabalho do roteiro de convenientes encontros e desencontros) encontra aqueles que lhe darão a oportunidade dar seus primeiros passos em seu trabalho com a música.

Não que o problema seja exatamente o uso do clichê em si (e seria hipocrisia condenar isso, afinal, o cinema é um retalho de clichês, sejam eles ficionais ou da vida), mas é a opção de Prata em mecanizar todos os acontecimentos na vida de Elis que transforma a cinebiografia num conjunto de recortes anti climáticos. Digo anti climáticos pelo fato de que o roteiro de Luiz Bolognesi, Vera e Egito e do próprio Prata busca retratar somente o que é conveniente para que Elis seja basicamente canonizada mesmo diante de algumas atitudes que mancharam sua imagem em passagens de sua vida. Se por um lado isso pode demonstrar respeito pela célebre cantora, por outro denota a falta de honestidade no retrato cinematográfico, que põe em mesa passagens e acontecimentos importantes e controversos de Elis, mas nunca lhes dá espaço suficiente para garantir algum peso dramático. Não compreendemos a rápida ascensão de Elis após seu período como cantora no bar, não compreendemos como sua parceria de sucesso com Jair Rodrigues no programa O Fino da Bossa é rapidamente cancelado pelo fato de que a dupla está “perdendo audiência”, não compreendemos como sua relação com Ronaldo Boscôli vai da antipatia inicial para uma paixão avassaladora. Elis é um filme narrativamente mal idealizado.

Muito disso se deve a percepção de que Elis foi pensado para alcançar o chamado “público médio”, aquele público que já se satisfaz com as novelas e minisséries globais do horário nobre (as transições temporais são dignas de algum seriado de época transmitido no horário das 11h), algo reforçado pela própria estética televisiva da obra e seus diálogos que muito expoem, mas pouco dão a entender, ou mesmo pela fotografia de Adrian Teijido e a direção de arte de Frederico Pinto, elaboradas através de colorações e elementos básicos da época, mas que não transmitem com eficácia o real espírito dos anos 60.

Andréia Horta, ao menos, demonstra esforço e habilidade na encarnação de Elis Regina, num trabalho de composição devidamente fiel aos trejeitos tão conhecidos da cantora na vida e nos palcos. O resto do elenco se torna uma sombra diante da presença da atriz, já que a importância de muitas figuras em sua vida são resumidas a meros rostos que estão ali para acompanhar sua trajetória. Cabe ao roteiro apenas romantizar a relação problemática entre Elis e Boscôli e pouco nos permitir conhecer (ou sentir) os reais sentimentos entre ela e seu último marido, interpretado por um apagado Caco Ciocler.

E é isso que principalmente falta na cinebiografia de Elis: o peso. O peso da vida de um rosto da nossa música que está aí ainda perpetrado no imaginário, cuja voz, músicas e presença ainda seguram a paixão de uma legião de admiradores que seguem emocionados com a emoção vocal de Elis. E é lamentável que sua dramatização nas telas se resuma a uma ilustração preguiçosa de quem realmente foi Elis Regina.

Comentários (1)

Vinícius Aranha | quarta-feira, 30 de Novembro de 2016 - 23:55

Já teve um 7+ de cinebiografias?
É sério, eu queria ter umas referências boas pra esse tipo de filme. A gente sempre reclama das biografias no Brasil, será que o problema tá na própria ideia de uma "biografia autorizada", pelo menos no cinema?

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