Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

A pedagogia da permanência.

8,0

Nesse filme, o documentarista Frederick Wiseman segue o seu projeto de filmar instituições para falar sobre a vida contemporânea. Depois do hospício, do balé, da moda, entre tantos outros, o documentarista se dedica a filmar a  Universidade de Berkeley. Assim, a câmera observativa de Wiseman instala-se nos corredores, salas de aula, gramados, auditórios, salas de reunião da prestigiada escola.

Seguindo o seu método de não interferir na filmagem e criar um sentido pela montagem, Em Berkeley chama a atenção pela grande duração do filme - cerca de 4 horas. Nesse período, algumas temáticas da instituição se sobressaem como a questão da universidade ser pública e estar sofrendo um corte de verbas, tentando ainda assim manter-se entre uma das instituições de ensino superior mais bem cotadas dos EUA. Pelas discussões em sala de aula e as reuniões de diretoria, vemos que esse problema está diretamente ligado ao do “fim da classe média” no cenário de crise e empobrecimento do país. Em sala de aula, o assunto é discutido tanto por alunos que passam por grandes dificuldades para se manterem estudando, apelando aos empréstimos, e também é visto criticamente pelas minorias étnicas, que questionam o fato da pobreza de parte da população ter sido historicamente ignorada enquanto estava guetizada. Nas reuniões, acompanhamos as tentativas do reitor e do corpo administrativo em fazer cortes e reajustes que possibilitam à escola continuar funcionando com a mesma qualidade.

Narrativamente, Em Berkeley em alguns momentos cai em uma armadilha do seu próprio dispositivo. Isso porque a matéria prima da universidade são as aulas, o discurso verbal, a palestra, fazendo com que em alguns momentos o filme adote esse tom, perca-se no seu objeto.  De certa forma, o filma é contaminando com outras formas de fazer documentário que exploram mais um lado explicativo, didático para abordar os temas - mesmo que esse não seja o objetivo de Wiseman e que o dispositivo não leve para isso em outras instituições. Talvez por isso a longa extensão do filme, que busca uma totalidade observativa de discursos: um amalgama sobre todas as coisas se falam agora em Berkeley, mais do que a construção de uma verdade científica pelas aulas (ou pelo filme).

O ápice do filme vem justamente quando Wiseman filme uma manifestação de estudantes. Nesse momento, o autor coloca uma questão que perpassa todos os seus documentários sobre instituições: como filmar as relações de poder? A manifestação está em um contexto dos movimentos recentes de Occupy e dos 99% contra a crise financeira nos EUA - que justamente é discutida em grande parte do filme até o momento. O bloco da manifestação é o mais longo do filme, montando paralelamente os participantes que invadem uma biblioteca, os alunos não participantes que continuam a sua rotina normal em outros locais da Universidade e a mobilização da diretoria para uma resposta institucional.

Após o clímax, os alunos desocupam a biblioteca e todos retomam as suas atividades. Wiseman filma a resolução e algumas discussões posteriores, mas logo volta a filmar outras aulas e reuniões que não se relacionam com o ocorrido. Se a instituição é brevemente balançada, o diretor frisa que logo em seguida tudo permanece como está. Na universidade como instituição, os alunos passam de forma mais rápida, enquanto os professores permanecem. E os administradores, não apenas permanecem, como controlam o poder das relações. “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”, o lema da aristocracia italiana de Lampedusa, encaixa-se perfeitamente bem na tentativa das instituições de manterem sólidas apesar. E é dessa força institucional da permanência que Wiseman precisa de 4 horas para mostrar.

Comentários (0)

Faça login para comentar.