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Críticas

Cineplayers

Com desapego televisivo por detalhes e roteiro frouxo: uma história que não funciona.

4,0

Na tentativa de se enquadrar no gênero de comédias latinas aos moldes almodovarianos, Embarque Imediato fica devendo muitas risadas ao espectador, ainda que seja fácil reconhecer que Marília Pêra e José Wilker estejam se divertindo enquanto atuam, um dos detalhes mais bacanas de se perceber sobre o filme.

A despeito da presença de atores deste porte, a estética do filme nos remete a uma produção de expectação televisiva, ou seja, aquela que permite ao espectador estar disperso entre outros tantos estímulos ao mesmo tempo em que assiste ao filme, o que o faz perdoar facilmente algumas pequenas incoerências de roteiro ou a falta de amarração de algumas linhas narrativas. No cinema essa displicência não passa impune.

Dizendo de maneira mais clara: algumas situações simplesmente não são explicadas pelo roteiro. Por exemplo, a insistência de Wagner (Jonathan Haagensen) em mudar-se para Nova York, o que é o mote existencial do personagem na trama. As duas únicas chances que se tem para entender esta obsessão são uma conversa do personagem - via programa de mensagem instantânea - com uma mulher que só voltará a aparecer num delírio do rapaz, arrasado diante do fracasso de sua última tentativa em conseguir grana para a viagem. Outra cena envolvendo o personagem de Haagensen deixa o espectador com mais um ponto de interrogação na testa: visitando o pai em busca de ajuda financeira, Wagner encontra também um menino com quem aparenta ter uma relação forte - talvez um irmão, quem sabe um filho? - algo que só poderemos supor pela risível semelhança do penteado entre os dois.

Se o trio de roteiristas Aloysio de Abreu, Marcelo Florião e Laura Malin suprimiu estes detalhes para não dar crédito ao óbvio, acabaram esvaziando de sentido a história do personagem, da mesma forma que foi difícil entender de início o motivo pelo qual Justina (Marília Pêra) tivesse como alter-ego outra Justina, só que vestida como a personagem título do clássico Gilda.

Chega o momento em que você precisará escolher algo pra se agarrar durante o filme, algo que faça a sessão valer a pena. Se assim for, sugiro que você perceba a atuação de Marília Pêra. O fato de que sua personagem seja uma cantora frustrada libera a atriz para cantar, dançar e se fantasiar no dia-a-dia, usando peruca e lentes no trabalho, e se travestindo de Gilda quando está sozinha em casa. E é assim que a experiência de uma atriz transparece. Com seus anos de teatro e um ar sempre engraçado no rosto, ela e José Wilker (outro ator experiente no ramo do humor) salvam o filme. Haagensen, muito bonito, não vacila diante da experiência dos dois, mas ainda engatinha na comédia. Vale falar também de Sandra Pêra, irmã de Marília, que interpreta a também irmã de Betina. Algumas das melhores tiradas do filme são dela, bem como o ritmo e a naturalidade na dupla formada pelas irmãs dão gás à ação.

Mais uma vez o cinema nacional erra a mão no vício de reproduzir a televisão em seus detalhes menos interessantes e perde a chance de deixar brilhar o talento para comédia de dois grandes atores brasileiros.

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