Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Documentário explica como uma porcaria como “Garganta Profunda” conseguiu fazer tanto sucesso.

7,5

Entrando na Garganta Profunda (Inside Deep Throat, 2005) é um bem-humorado documentário da HBO que tenta entender como um lixo como Garganta Profunda (Deep Throat, 1972) transformou-se no “mais rentável filme da história do cinema”: feito com apenas 25.000 dólares num motel na Flórida, arrecadou mais de US$ 600 milhões em todo o mundo e tornou uma espécie de – ai, ai, ai – cult. Essa desgraça cinematográfica conta a história de uma infeliz que não tinha prazer sexual pelo singelo motivo de que seu clitóris estava localizado na garganta. Uma vez o órgão devidamente localizado pelo médico, que se prontifica (claro) a ajudar a moça em seu primeiro orgasmo, a cidadã faz talvez a mais famosa boquete da história do cinema, dando início, segundo o documentário, ao desenvolvimento da hoje chamada indústria pornográfica.

Há que se contextualizar para compreender o que levou a então ex-primeira-dama dos Estados Unidos, Jaqueline Kennedy, a ir a um cinema pornô de Nova York – e se deixar fotografar durante a ida – para ver essa indigência fílmica. Não só ela, mas também uma boa parte da classe média nova-iorquina. A revolução sexual estava em marcha e, como explica o diretor e roteirista que cometeu a película, Gerard Damiano, era apenas uma questão de tempo até que o sexo chegasse ao cinema. Faltava só um motivo para todo mundo cair de boca – no caso da atriz, literalmente. Calhou que essa droga foi perseguida pela polícia; seus produtores, levados aos tribunais; e os cinemas que o exibiam, fechados. A história chegou aos jornais (foi quando o The New York Times cunhou o famoso termo “porno chic”). Foi o que bastou: em um gesto de defesa das liberdades individuais, do direito de escolha, contra a censura e a caretice, a intelectualidade americana marchou em direção aos mais putrefatos, imundos e fétidos cinemas do país para ver esse flagelo.

Segundo os sociológos, sexólogos e escritores entrevistados, Deep Throat ajudou a popularizar o sexo oral, então considerado acessório, coisa suja e baixa, assim como o orgasmo feminino, que muita gente na época nem sabia que existia – o juiz que julgou o caso ignorava completamente a existência do clitóris e sua função. “Como eu gostaria que minha mulher me fizesse uma chupeta daquela”, conta, entusiasmado, um “crítico” de cinema da época. Damiano, o diretor, conta que a ideia do filme surgiu quando ele viu a atriz Linda Boreman (no filme, Linda Lovelace) fazendo uma felatio: diante das vastas possibilidades oferecidas pela técnica impecável da atriz, ele resolveu fazer um longa inteiro em torno da ideia do sexo oral. Primeiro título proposto: A Engolidora de Espadas.

O documentário explora bem as implicações políticas da época, quando o então governo do conservador Richard Nixon utilizou o combate contra a “indecência” (smut) na sua plataforma de reeleição – e foi bem sucedido, conseguindo o segundo mandato. Mas proibir o filme provocou o efeito contrário. Financiado e distribuído pela máfia italiana, Garganta Profunda se transformou num sucesso, com os mafiosos exigindo 50% da receita em dinheiro no final do dia: pelo menos um gerente de cinema foi morto e um cinema foi incendiado porque seus proprietários não entregaram a quantia acertada. Mesmo com todos os problemas com a censura e a polícia (o filme foi banido em 23 estados americanos), dois anos depois da estreia Deep Throat ainda era a 11ª maior bilheteria americana, quando milhares de outros filmes do gênero foram feitos, inclusive nos grandes estúdios. Logo após surgiria a fita cassete (ou VHS) e a indústria pornográfica atingiria o auge.

O diretor nunca viu a cor desse dinheiro. A atriz foi parar na Playboy (o dono da revista, Hugh Heffner, é um dos entrevistados) e, apesar da notoriedade do início, nunca conseguiu seguir carreira e morreu pobre e desempregada, não sem antes se juntar às feministas, aparentemente arrependida, em protesto contra a pornografia que, segundo elas, provocava a degeneração da mulher – há uma emblemática entrevista de Linda Boreman na televisão ao lado de Gloria Steinem). O ator foi condenado a cinco anos de cadeia (Hollywood se mobilizou para defendê-lo) e, como ninguém mais lhe oferecia papéis em filmes que não fossem pornográficos, terminou alcóolatra e viciado em drogas. Garganta Profunda foi um desastre para quem nele trabalhou.

O documentário também traça um paralelo entre a nossa sociedade, que teria banalizado o sexo e se viciado nele. Damiano chega a dizer que não filma mais, pois cada ano são lançados mais de 1.000 filmes para adultos só no mercado americano. Para ele, não são filmes, são apenas cenas de sexo enfileiradas, sem nenhum "conteúdo artístico", digamos assim.

Inside Deep Throat consegue, com humor, dar conta do assunto em sua complexidade e não tem medo de mostrar cenas de sexo, inclusive a felação tão famosa. Infelizmente, nem mesmo depois de ver o documentário é possível ver o filme original: primeiro, porque seguir um filme pornográfico é difícil, mais até que um filme iraniano com animaizinhos e crianças. Segundo, que a obra, em si, é mesmo muito ruim, artisticamente nula, além do que não há nada ali que não esteja disponível a dois cliques na internet com melhor iluminação e com imagem de melhor qualidade. Os corajosos e poucos minutos mostrados no documentário são mais do que suficientes para se entender o filme, uma bobagem que se transformou na mais inevitável piada de bar no Brasil. O documentário, feito para televisão, é, portanto, melhor do que o próprio filme que lhe serve de tema. Afinal, não é Garganta Profunda, o produto cultural, que importa, mas sua importância no contexto histórico.

Comentários (17)

Raphael da Silveira Leite Miguel | quinta-feira, 17 de Julho de 2014 - 23:56

Garganta Profunda é um marco na indústria pornográfica, até hoje é lembrado e não mais será esquecido. Infelizmente, os envolvidos no filme nunca viram dinheiro proporcional à tal fama, e só devem ganhar os produtores que detêm os direitos sobre ele. Ainda não vi o filme, e pela crítica, acho que vou ficar com o documentário apenas.

Lucas Souza | sexta-feira, 18 de Julho de 2014 - 07:14

A proposito alguém assistiu o filme "Lovelace" com a tchutchuquinha da Amanda Seyfried?

Caio Henrique | sexta-feira, 18 de Julho de 2014 - 08:51

Quem mandou se meter com a máfia...

Davi de Almeida Rezende | segunda-feira, 29 de Dezembro de 2014 - 00:24

Legal. sempre ouvi falar desse filme, mas nunca tive a vontade de assistir, até pq imagino a qualidade. Quem sabe um dia por causa da história do cinema eu assista.

Faça login para comentar.