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Críticas

Cineplayers

Releitura do mais famigerado dos contos de fadas acerta em seu bom humor e despretensão.

6,5

Quando Tim Burton decidiu apresentar sua versão para o conto de Lewis Carroll em Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010), sua ideia principal era repaginar a história e os personagens de acordo com sua visão excêntrica de cinema. O resultado foi uma modificação não muito feliz na composição dos personagens principais, que na vez de oferecer uma nova dinâmica à história, acabou se perdendo em um visual espalhafatoso que engoliu por completo um time de bons atores e resultou em um filme vazio e de personagens insossos. O mesmo poderia ter acontecido com Espelho, Espelho Meu (Mirror, Mirror, 2012), do indiano Tarsem Singh, diretor infinitamente menos experiente que Burton, e que pretende fazer aqui algo parecido, só que com a história de Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937). No entanto, apesar de tudo indicar o contrário, Tarsem acaba nos entregando um trabalho improvável, de bom gosto e divertido dentro de seus limites.

O primeiro acerto de Espelho, Espelho Meu é a consciência de seus limites. Não se trata de um trabalho ambicioso, que promete mais do que pode cumprir. Pelo contrário, é um filme que despertou a desconfiança da crítica e mesmo do público, mas que no fim se prova digno de reconhecimento. Ele surpreende por seu bom gosto e, principalmente, por seu tom despretensioso e agradável. Assim como o trabalho de Burton, oferece uma releitura de um clássico da literatura infantil, mas, diferentemente deste, faz isso com um propósito mais interessante. Na vez de tentar mudar drasticamente a composição dos personagens principais, seu foco é apenas acrescentar uma dose de humor e inverter algumas prioridades. Por conta disso, a essência da história original dos irmãos Grimm é mantida (algo que talvez nem a adaptação da Disney tenha mantido tão bem), e a sensação é de se estar vendo uma história totalmente original.

Essa inversão de prioridades se encontra no foco do filme, que está sobre a Rainha Má, e não sobre Branca de Neve. Logo na narração inicial, feita pela vilã, já nos é apresentada essa proposta de mudanças de foco; e mesmo na escalação do elenco podemos entender isso melhor. Julia Roberts, o nome de maior peso do elenco, foi escalada para viver a vilã, enquanto a novata Lilly Collins dá vida à Branca de Neve. Obviamente, Roberts acaba chamando mais atenção, primeiro por ser mais famosa, e segundo por não costumar aceitar papéis atípicos como este em sua carreira. A curiosidade da maioria em torno da composição cômica da atriz para uma personagem tão cruel, rendeu ao filme seu maior apelo comercial.

Nesse admirável mundo nem tão novo assim criado por Tarsem, conheceremos a história de um reino outrora feliz nas mãos de um bom rei, mas que atualmente se encontra na lástima depois que uma maligna Rainha assume o trono. A tal Rainha mantém sua enteada, Branca de Neve, presa em seu quarto, isolada do resto do mundo. Depois de gastar toda a fortuna real em caprichos próprios, a monarca decide se casar com um príncipe rico e bem mais jovem (interpretado por Armie Hammer) que está visitando seu reino para poder salvar-se da falência. O problema começa quando o príncipe se apaixona por Branca de Neve, ao invés da Rainha.

Boa parte da diversão se dá quando Tarsem inclui conflitos bem modernosos para os personagens lidarem. A Rainha, por exemplo, está na meia idade, com medo de empobrecer, perder sua beleza absoluta e ficar solteirona; Branca de Neve, depois de dar uma escapada do castelo e ver a condição deplorável do povo, decide se engajar numa luta ativista para depor a Rainha do poder; os sete anões, que nesta versão são saqueadores habilidosos, têm sérios problemas em lidar com sua imagem e com a minimização que sofrem na sociedade em que vivem. Ou seja, todos ali apresentam sentimentos bem adultos e atuais, mas não sem antes encantarem a criançada com sua aura fabulosa típica de personagens infantis – uma garantia de entretenimento para pessoas de todas as idades.

Julia Roberts, contrariando todas as expectativas, apresenta uma versatilidade incomum em sua carreira, tirando de letra a ideia central do filme em desconstruir um pouco a imagem de megera severa da Rainha, e compor uma personagem mais humanizada e muitíssimo engraçada. O ponto alto do filme é justamente a forma como a atriz encontra em sua personagem uma série de pontos em comuns. Eternizada por seu papel em Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990), atualmente Julia já não é exatamente a queridinha da América como em outras épocas, e sua beleza absoluta sempre idolatrada pela mídia já foi superada por atrizes mais jovens e belas. No entanto, mesmo não sendo a mais bela, Julia definitivamente é a atriz de maior destaque do filme, por conta da Rainha ser a personagem mais interessante. Aproveitando-se das semelhanças, a atriz brinca muito no papel e assume sem medo essa nova etapa de sua carreira, em que já não precisa provar ser talentosa ou bela e abrindo espaço para atrizes menos conhecidas, porém promissoras, como Lilly Collins. Claro que ainda falta um pouco de experiência para Lilly, assim como Branca de Neve tem de ralar para conquistar seu espaço dentro do filme que supostamente deveria ser focado nela, mas nada a impede de ir além futuramente.  

Sem a pretensão de revolucionar uma história consagrada, e sim apenas apresentar um ponto de vista mais descolado e diferente, Tarsem faz de Espelho, Espelho Meu um trabalho pequeno, porém adorável, que cumpre bem com suas propostas. Dentro de suas limitações, conseguiu chegar muito mais alto que Tim Burton em Alice no País das Maravilhas, para efeito de comparação. Sua consciência desse fato só realça a simplicidade da trama, que apesar de deslizar muitas vezes em piadas ineficientes, acerta pelo seu tom de brincadeira. Afinal, se trata mesmo de uma descontração para todos os envolvidos e não deve ser encarado de forma diferente pelo público.

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