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Críticas

Cineplayers

De Cataguazes a Lisboa, com (pouco) amor.

4,5
Não dá pra estranhar porque o diretor lusitano José Barahona se encantou pela prosa do mineiro Luiz Ruffato. Nosso escritor sempre teve uma influência na literatura portuguesa de alguma forma, e ao lançar o premiado Estive em Lisboa e Lembrei de Você, mostrando os percalços do ingênuo Serginho na aventura de sair de Cataguases e pousar na capital portuguesa, Ruffato deve ter acertado Barahona em cheio, a ponto de se tornar irresistível ao diretor a possibilidade de mostrar essa trajetória nas telas. Mas o que o longa de Barahona pode fazer de melhor é aguçar a curiosidade pela obra de Ruffato, nos obrigando a conferir o belo trabalho desse grande artista contemporâneo, em especial o original que deu origem ao longa em questão.

É óbvio perceber só pelo título do longa que se trata de uma produção que vai abordar a imigração, em alguma instância. O que já anuncia erro é perceber que nos primeiros 20 minutos da produção, quando é criado o gancho para sua trama, tais situações são tratadas das formas mais novelescas e artificiais possíveis, cortesia de uma direção irregular e um elenco artificial, sendo educado. Com rapidez como a querer se livrar desse início, vemos o gatilho de Serginho para a jornada em terras portuguesas ser apressada e comprometida. Há de se entender o que leva o protagonista a tentar a sorte em outro país, mas graças a uma atriz tão verde como Amanda Fontoura e a um roteiro pobre e uma direção desinteressada nesse início, a intensidade da situação se dilui.

A verdade é que o filme cresce em Portugal. Fica muito claro que o diretor queria contar mais a história da imigração em si e não se importava nem um pouco para sua abertura. Só que para uma trama que versa sobre o deslocamento, suas consequências e os motivos que levam a um afastamento tão radical, o mínimo que se espera é uma base sólida. Só que nada é satisfatório nas passagens por Cataguases, falta força dramática, profissionalismo e vontade de contar uma história, e o filme pode facilmente perder os espectadores já ali. Tudo parece mais gratuito justamente pelo tom geral mudar na ida para a Europa.

Poderiam facilmente atribuir essa falta de brilho a algo proposital para forçar o ato de imigrar a ser encarado como uma espécie de salvação, mas a verdade é que Serginho não tinha qualquer vontade de deixar sua cidade até ser assolado por acontecimentos radicais que não foram causados pelo mesmo; o filme não interessa de nenhuma forma no Brasil, nem visualmente nem seu elenco nem sua estrutura dramática. Ao chegar na Europa e ganhar tratamento estético elevado, com a entrada de ao menos uma personagem instigante, percebemos que talvez seja de Serginho o problema. Serginho ou seu intérprete?

Chegamos a Paulo Azevedo e a armadilha que é esse protagonista. Serginho é apresentado como o típico mineiro de anedota: desconfiado, ingênuo, interiorano, esperto até a página 5, romântico, quase uma presa fácil do Destino (e de qualquer um que pretenda tirar vantagem dele), nosso herói parte de uma tragédia nacional pra tentar a sorte internacional, mas chegando lá fora o rapaz fica cada vez mais... mineiro. Aos poucos também o público se sente em armadilha porque passa a ser muito difícil torcer por Serginho sem se envolver, em ritmo de torcida; só não sei dizer se a torcida é positiva. De quem é a culpa? Paulo apenas seguiu o excesso de ingenuidade proposto pelo roteiro, ou é sua persona que invadiu um personagem que, ao fim e ao cabo, só denota pena?

Observar o filme de José Barahona do alto é bem complexo, porque os pontos positivos são poucos (acrescente a eles a participação magnética de Renata Ferraz, como a enigmática Sheila), mas a partir da chegada a Portugal, o longa ganha um fôlego novo e uma pegada diferenciada. Por mais que tenha uma levada ainda puxada pro clichê, a ala europeia do filme tem charme e um certo punch, e Azevedo tem química de sobra com Ferraz. Ainda que o filme não construa um quadro inovador sobre a imigração nem uma base interessante de gatilhos dramáticos, estamos fisgados antes do fim. Pro bem e pro mal.

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