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Críticas

Cineplayers

O classicismo ameaçado a tiros.

7,0
John Lee Hancock nunca foi um artesão rebuscado, na verdade o oposto disso. Com um punhado de filmes com poucos atrativos no geral, não anima a ideia dele lançar produtos novos, sejam eles sobre o assunto que for. Seus filme não conseguem suscitar paixão, muito menos ódio; burocrático e sem qualquer invenção, são produções que exalam uma forma esquemática, nada imaginativa. Dito isso e à luz de sua nova produção, com o selo da plataforma de streaming Netflix, é espantoso observar uma leve inclinação contrária nesse The Highwaymen, um olhar diferenciado sobre o 'fenômeno' Bonnie e Clyde, que nos anos de 1930 banharam o sul dos Estados Unidos em sangue. Com um painel clássico sobre o casal dirigido por Arthur Penn há 50 anos atrás, a proposta de Hancock é observar a cena onde os foras-da-lei surgiram para o mundo sob o ponto de vista da dupla que finalmente os caçou de maneira bem sucedida. E a partir desse perfil, elaborar uma discussão (ainda que superficial) sobre o tempo, 'aquele que passa'.

Não necessariamente um tema original, muito menos a partir do perfil de personagens no qual isso se desenrola, isso na filmografia de Hancock se configura como uma evolução, já que ele vislumbra essa investigação mínima em relação a narrativa que desenvolve. A dupla de 'rangers' aposentados e decadentes - inclusive fisicamente - que parece ser a única esperança para frear a violência do casal mítico são um símbolo do fim de uma era assim como foi o protagonista de Onde os Fracos não Têm Vez, mas a direção aqui não tem o caráter desesperançado que os irmãos Coen aplicam no seu clássico. Quase lidando com o inverso da questão em seu roteiro, Frank Hamer e Maney Gault são um elogio ao passado, mesmo que eles representem um tempo em declínio; há esse sintoma deflagrado nos diálogos envolvendo seu estado físico e nas ações que evidenciam esse mesmo desgaste, mas também fica evidente um conceito de eficiência do qual o presente (e, rapidamente, também o futuro) ainda necessitaria para triunfar.

Esse ajuste de contas entre passado e presente é dotado de algumas belas passagens, como primeiro aparecimento de Gault, observado ao longe por Hamer - como a observar a própria imagem no espelho igualmente desgastada, há uma relutância na certeza quanto a soma de duas figuras como eles, exatamente por um deles. A química entre os personagens é faiscante, conseguimos perceber o retorno de uma fagulha adormecida em ambos que apaga a apatia anterior e realça os talentos de Kevin Costner e Woody Harrelson, eles mesmos dois lobos velhos cujo talento nem sempre é bem aproveitado e/ou tem o espaço necessário para aproveitar suas personas. Necessariamente os dois personagens como foram concebidos são essencialmente Costner e Harrelson, no que isso tem de positivo e negativo. Não há novidade de nuance, ao mesmo tempo em que eles fazem exatamente o esperado, e isso não é ruim para a produção.

Além dos próprios protagonistas, todo o filme é infectado por essa atmosfera onde o passado representa algo mais efetivo, que teria muito a ensinar, o que não deixa de ser uma forma de ressaltar uma linha mais clássica no próprio cinema, do qual seu diretor não parece nem um pouco interessado em ultrapassar, a despeito desse acerto e até por conta dele. O filme conta com um acertado registro fotográfico de John Schwartzmann, que trabalha regularmente com o diretor nesse contexto a tornar o tempo que se foi algo saudoso e elevado. Aqui no entanto a violência rasga o certame vez por outra (lugar esse onde o diretor nunca esteve anteriormente), e ambos se mostram corajosos e até ousados, ainda que sua visão seja quase doutrinadora em relação a posicionar o espectador sobre o que ele entende como sendo 'o lado certo' da lei, mais uma vez evocando suas intenções tradicionalistas em seu discurso.

Ainda que exista um teto de alcance para certos autores, John Lee Hancock ao menos aqui alcançou o seu, ainda que reproduzindo seus valores morais estacionados nos períodos históricos em que seus filmes costumam abordar. Com uma visão antiquada da sociedade, não dá pra estranhar que igualmente o seu cinema não evolua enquanto construção de diálogo pós-filme. Que tenha vazado minimamente um olhar aprofundado sobre o universo que propôs retratar dessa vez é um grande avanço de onde não se esperava. Ainda que no futuro próximo precisemos encarar mais produtos como Um Sonho Possível e Walt nos Bastidores de Mary Poppins que algo dessa estirpe, fica a certeza de ao menos uma bola curva ter produzido.

Comentários (1)

Lucas Aragão | segunda-feira, 07 de Setembro de 2020 - 23:07

"ainda que reproduzindo seus valores morais estacionados"......
"Com uma visão antiquada da sociedade......"
Quês de bandidolatria?
Interpretem como quiser.

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