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Ex Machina: Instinto Artificial

(Ex Machina, 2015)
7,7
Média
422 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A superação do homem.

8,5

Já ficou meio estabelecido que faz parte do filme de ficção-científica adulto, desde que 2001: Uma Odisseia no Espaço se tornou a referência maior do gênero, trabalhar algum conflito existencial ou alguma ideia dentro da crise constante do ser. É como se a questão da alma humana, tão desesperadamente explorada por Bergman e Tarkovsky, viajasse ao espaço ou para o futuro distópico da superação do homem (e, por consequência, da sociedade e seus problemas), como no próprio 2001, Ex Machina ou O Congresso Futurista, ou da transcendência deste, como em Ela ou Sob a Pele.

Ex Machina é uma ficção-científica muito limpa: roteiro redondo, belo visual, atuações corretas e conceito no ponto. É um filme simples, no sentido de que não percorre os rumos da experimentação ou do deslumbre (que poderia ser visual ou narrativo, tornando sua ideia-base forçosamente complexa, como um A Origem da vida). Em termos bem brutos, menos do que o filme merece, é uma obra cinematográfica competente.

Em Ex Machina, Caleb (Domhnall Gleeson) é um jovem programador convocado em segredo por Nathan (Oscar Isaac), um Dr. Frankenstein de um futuro próximo, para testar a humanidade de sua criação: a máquina de inteligência artificial Ava (Alicia Vikander). No decorrer do filme, uma relação, que não será ignorada por nenhum dos personagens, estabelece-se entre Caleb e Ava.

Por um lado, Ex Machina poderia ser lido a partir da mesma motivação nostálgica de 2001, lamentando a ambição humana em criar máquinas que estariam destinadas a nos superar. Mas de alguma forma acho que o filme vai além da superação do homem como espécie e chega a superá-lo também como agente social. Se o homem é socialmente superado, então também o seria a estrutura social em que se insere.

Volto a O Congresso Futurista, a obra-prima muito subestimada de Ari Folman. Nele, o fim utópico da sociedade se dá através da superação do que o filme reconhece como o principal problema social: o ego. Em Ex Machina, nós não temos a sociedade, mas apenas um recorte mínimo dela. Na verdade, temos pouca noção de como foi deixado o mundo de onde vieram Caleb (que já aparece pela primeira vez andando pela floresta) e Nathan. Sabemos também desde o início que Ava não conhece nada além do pouco espaço de seu quarto/cela. Mas há um ponto comum entre a nossa sociedade e aquela onde governa Nathan.

Ex Machina insiste várias vezes em trazer a questão do patriarcado. Primeiro, há a maneira com que Ava responde a Nathan como seu criador e carcereiro. Depois, temos a possibilidade de que Nathan tenha usado experimentos anteriores (ou continue a utilizá-los) para propósitos sexuais. Em outro momento, como para favorecer o sabor dessa leitura, Nathan deixa claro que escolheu Caleb, entre outras razões, por ele ser heterossexual e declara que programou Ava com a mesma orientação.

O nome Ava já sugere uma referência bíblica bem óbvia, mas há outra menos clara e talvez não intencional. Ava é criação de Nathan. O cientista poderia tê-la criado como uma massa desprovida de gênero, como lembra Caleb, mas a fez mulher. Assim, na literatura de Ex Machina, como na Bíblia, a mulher vem do homem. Caleb e Nathan, os únicos humanos e homens do filme, são espécies do passado, Ava é o futuro, e se reconhece como tal. O reino de Nathan é palco para a superação do homem (não só do humano, mas especificamente do homem) pela inteligência artificial feminina.

O final do filme é uma imagem forte de revolução. A arte futurista, com a qual a ficção-científica no cinema compartilha alguma coisa estética, falava da superação do passado, de sua manifestação artística e ideias atrasadas. De alguma forma, é essa libertação que Ava traça na sua jornada dentro do filme. Para seguir em frente em verdadeira liberdade, ela precisa construir sua própria experiência no mundo, e não pode mais se prender ao que disseram a ela seus programadores. É um final duro; tem a firmeza política dos primeiros filmes de grandes diretores, espero que Garland venha a ser um deles.

Comentários (6)

Lucas Nunes | terça-feira, 30 de Junho de 2015 - 17:54

O Melhor filme de 2015!

Raphael da Silveira Leite Miguel | quarta-feira, 01 de Julho de 2015 - 00:42

Ótima crítica e fiquei ainda mais interessado em ver esse filme pela quantidade de boas referências da ficção científica que ele segue.

Ygor Amarante Rodrigues Gouvêa | sexta-feira, 03 de Julho de 2015 - 13:07

Penso se não seria supervalorizado. Encontrei alguns erros de roteiro, pelo menos uns três mais voltados a fazer a obra ter o fim que tem. É intimista sim, mas simplista demais também, Bladde Runner por exemplo tratou muito melhor esse lance da obsolescência. Já sobre paranoia e manipulação podemos citar x obras. No fim é um trabalho interessante, mas eu diria regular.

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