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Críticas

Cineplayers

Uma discussão pertinente abortada em prol da leveza.

4,0
Enquanto o mundo passou o ano discutindo os motivos que levaram o júri presidido por George Miller em Cannes 2016 a ignorar todos os favoritos da Croisette nessa temporada, o Festival do Rio preparava sua resposta na surdina. Haviam favoritos claros e filmes excepcionais na disputa pelo Redentor? Não. Com uma seleção fraca, bem oposta ao nível que o cinema nacional tem nos acostumado ultimamente, tivemos de nos virar como podemos com uma seleção nacional mediana e ver um punhado de grandes filmes estarem na seleção Novos Rumos, que tradicionalmente contempla um cinema mais experimental. A surpresa foi ver o mais fraco competidor do ano sair vencedor, e provavelmente ficaremos na vontade de respostas. Será que precisamos?

O premiado curtametragista Felipe Sholl estreia em longas com um filme que era aguardado e embalado com prestígio, protagonizado por duas excelentes atrizes e com um elenco jovem e fresco que poderiam oxigenar uma produção. A trama parecia primar pela ousadia: um adolescente filho de uma psicóloga tem como passatempo/tara se apossar dos números telefônicos das pacientes de sua mãe, e através de ligações onde nada diz, se masturbar ao ouvir a voz das mesmas. Dessa peculiar atividade, ele acaba criando um rápido vínculo com uma mulher abandonada pelo marido com mais de 40 anos. Tudo acontece muito veloz: ela conversa com ele achando ser o marido sumido, logo descobre que na verdade é o filho da terapeuta, logo também se revela para ele, logo a relação passa para o pessoal e para uma relação de fato, sexual e posteriormente amorosa. Tudo isso a margem da mãe dele, do passado dela, dos amigos da idade dele e do histórico autodestrutivo dela.

Parece delicioso em sinopse, fato. Capitaneado por Karine Teles e Denise Fraga, o filme tem uma certa sedução inicial. Mas logo tudo se torna raso demais, leve demais, talvez frouxo... e lá pelas tantas, apressado dramaticamente e com uma dose de inconsequência que, olhando de fora, parece sim aparentemente saudável e urgente. Como adolescentes o são, como pessoas psicologicamente instáveis e com um passado envolvendo tentativas de suicídio devem ser. Mas definitivamente o molho é ralo para criar camadas substanciosas, tanto no que concerne o roteiro como uma análise mais aprofundada. Porque o filme no fim das contas parece de coração aberto não estar muito afim de aprofundar nada, mesmo que houvesse ali material para uma discussão muito aguda de toda essa situação. E a proposta de unir e discutir os casais de idades diferentes, de psicologias tão fraturadas, mesmo que nada nova, é abortada para não propor nada muito além.

Tentando colocar de forma elogiosa, o filme é leve; por outro lado, a estreia de Sholl parece pouco afeita a dar cores mais definidas a um conflito que poderia sim ser leve, mas ainda assim apresentar pontos de discussão válidos. Os personagens poderiam ser mais vivos e combativos e não chapados, sem nuances. A impressão que tenho é que Sholl medrou nessa estreia longa e tentou não ganhar nem perder esse jogo, bastava empatar. E correu pro lado fácil de expor da forma mais simples possível uma premissa que poderia ter rendido mais, e que mesmo para um produto de consumo ligeiro ficou a dever; quem disse que o popular não precisa ter matiz?

Karine Teles se esforça para dar vida a uma personagem que não tem as camadas que o roteiro julga ter, idem Denise Fraga. Acabam envolvidas em cenas auto-explicativas, como o do mágico ressurgimento do marido da segunda (porque sim, o protagonista tem um pai que também some, de forma displicente) ou a discussão absurda entre as duas adultas; adultas? Na parte jovem, o rapaz Tom Karabachian parece verde com todas as atenções e tensões que seu personagem enfrenta, e um personagem bem interessante é jogado fora, o amigo dele vivido por Daniel Rangel, onde claramente havia um potencial. No mais, Fala Comigo é um filme que vai encontrar seu grupo de admiradores, que provavelmente estarão dispostos a curtir aquele tempinho na sala escura e só. Porque o filme não sobrevive muito a uma análise mais aprofundada.

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