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Críticas

Cineplayers

Um conto de fadas urbanas, proletárias e reais.

7,0

Se as operárias da fábrica onde um dia trabalhei não freqüentam o cinema, talvez seja porque quase nenhuma história que se leva para tela grande fale diretamente com elas, e assim fica chato não conseguir reconhecer-se em tudo aquilo.

E não é simplesmente porque as protagonistas de Falsa Loura sejam operárias que as garotas das várias cidades industriais desse país se veriam contempladas como tema de filme, mas porque Carlos Reichenbach nos puxou pela gola e nos colocou sentados no quarto de Silmara (Rosane Mulholland) e esse é um dos grandes trunfos do filme.

Silmara é uma jovem e bonita moça da periferia de São Paulo que trabalha numa fábrica onde convive com várias outras mulheres com os mesmos problemas e sonhos que ela. Consciente de sua beleza e inteligência, Silmara transita em busca de uma vida melhor, seja para ela ou para Antero (João Bourbounnais), seu pai, cujo passado criminoso deixou uma marca impressa em seu rosto. É com ele que ela divide a casa e as preocupações. A história nos mostra todos os aspectos da vida da protagonista: seu trabalho, amigas, diversões e paixões. E exceto pelos dois episódios que transformarão a personagem que inicia o filme naquela cujo close abatido veremos ao final, seu cotidiano parece ser tão comum como deve ser.

Os sonhos de grandeza da personagem ficam claros no início quando a vemos ser convocada por suas colegas de trabalho a ajudar Briduxa (Djin Sganzerla) a dar mais ânimo a sua vida, fazendo uma transformação no visual. Silmara demonstra toda a sua crueldade diante da nudez forçada de Briduxa. A crueldade de quem acha estar num patamar acima das outras mulheres com quem convive, quase certa de que seu destino será diferente das demais. Ao mesmo tempo, algumas de suas amigas preocupam-se com o caminho por onde a soberba levará Silmara e sua trajetória é cantada por muitas delas, a despeito das negações da protagonista que lutará para fugir do estigma que sua condição e beleza acabarão por lhe empurrar.

Assim é que ela se envolve com o vocalista de uma das bandas de maior sucesso entre as garotas da fábrica, Bruno de André (Cauã Reymond), quando num show de sua banda ela chama a atenção do rapaz, causando surpresa e alguma inveja entre as companheiras que passarão a enxergar a aventura da ‘sortuda’ Silmara como a realização de um conto de fadas coletivo: deixar para trás a realidade sofrida da fábrica, da periferia.

Muito simpática é a cena em que, em um momento de intimidade, vemos Silmara sozinha em seu quarto, seminua, ouvindo as músicas de outro cantor – esse mais popular ainda – Luis Ronaldo (Maurício Mattar) e sonhando estar com ele vivenciando o clima de romance e fantasia que a música sugere. A transposição desse sonho em imagens segue a fidelidade kitsch de todo o desenho de cena do filme: um riacho de papel celofane; um vestido de festa cafona; um galã canastrão.

Rosane Mulholland é que em alguns momentos não me agradou. A beleza que ela empresta a Silmara não é suficiente para esconder alguns sorrisos amarelos, que não são da personagem e sim seus. Pareceu uma atriz que ainda está descobrindo a própria potencialidade já que se saiu muito bem em algumas cenas fortes, para logo em seguida tropeçar, demonstrando não estar totalmente mergulhada no universo da personagem. Esperamos que na próxima ela consiga pôr pra fora toda a força que pareceu ter.

Dois nomes sobressaem no filme: Suzana Alves (a Tiazinha sado-masô das depilações num velho programa de Luciano Huck) como Milena, uma das operárias que trabalha com Silmara. Muito à vontade, Suzana fez de uma personagem secundária que talvez não tivesse tanta luz uma simpática mulher comum, interessada nos mínimos detalhes de cada encontro de Silmara com o galã, pronta para exercer o papel de contadora de histórias às outras meninas.

Assim como o irmão da protagonista, Tê, interpretado por Léo Aquilla, cuja transformação numa espécie de cópia paraguaia da irmã surpreende. Descobrir o cinema de Carlos Reichenbach, diretor também do conhecido Garotas do ABC, foi tão bonito quanto aquele final em que a protagonista vem em close, com os louros cabelos falsos ao vento, como a Vênus do quadro...

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