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Críticas

Cineplayers

Um retrato emocionante em um filme sobre a Primeira Guerra que possui um foco diferente do padrão.

8,0

A filmografia relacionada às duas grandes guerras do século passado gira, normalmente, dentro de um padrão. Na imensa maioria dos títulos, mostra-se homens de um dos lados da batalha sofrendo as conseqüências – físicas e psicológicas – provenientes do cenário de barbárie. Feliz Natal, produção indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006, investe em uma abordagem diferente, aproveitando-se de uma fantástica história real acontecida nas trincheiras, no Natal de 1914.

Em algum lugar da França durante a Primeira Guerra Mundial, franceses e escoceses tentavam impedir o avanço do exército alemão. Em meio à batalha, os soldados dos três exércitos encontraram momentos para celebrar o Natal. No lado escocês, um padre chamado Palmer iniciou uma cantoria de músicas típicas com seus homens. A resposta alemã foi à altura, com o tenor – agora soldado – Sprink cantando músicas natalinas. Em pouco tempo, os comandantes dos três exércitos acordaram um cessar-fogo para a noite de Natal, promovendo a confraternização entre os soldados.

Escrito e dirigido pelo francês Christian Carion, Feliz Natal é uma história edificante sobre o melhor lado da natureza humana. É extraordinário – e, a certo ponto, reconfortante – saber que os fatos descritos no filme aconteceram de fato em não apenas uma, mas em diversos locais dos campos de batalha naquela noite. Mais do que uma produção anti-belicisita, Feliz Natal é uma obra universal, capaz de atingir a todos por sua mensagem de esperança e solidariedade.

Filmado por Carion com apurado senso estético na construção de seus quadros (tarefa no qual o cineasta é bem auxiliado pela bela fotografia), o filme começa de maneira inteligente, estabelecendo um interessante contraponto a tudo aquilo que o espectador assistirá em seguida. Logo na primeira cena, Carion realiza uma montagem com três crianças – uma francesa, uma escocesa e uma alemã – em sala de aula, destacando a forma como aprendem a cultivar o ódio pelo “inimigo” desde a infância.

Escrevi inimigo entre aspas de propósito, pois, como os próprios soldados descobrirão mais tarde, não há nada de monstruoso no homem vestindo o outro uniforme. E esta é a grande força de Feliz Natal. Após um início com ritmo claudicante, o filme atinge seus melhores momentos nas cenas de camaradagem entre os exércitos opostos, quando os soldados mostram fotos das esposas, jogam cartas e até promovem uma partida de futebol.

É fascinante acompanhar essa demonstração única de humanidade. Neste sentido, Carion acerta ao não interferir demais ou tornar as cenas forçosamente dramáticas, deixando a força da história falar por si. Cenas como a da missa, na qual homens que deviam estar tirando as vidas uns dos outros sentam-se lado a lado para ouvir uma canção, não necessitam de artifícios dramáticos para emocionar. O espectador sente-se tocado pela simples compreensão de que aquilo realmente aconteceu, de que tais instantes de generosidade foram encontrados em meio à selvageria.

Como resultado, os soldados vêem-se em dilemas nos quais não haviam entrado até então. Como continuar a guerra após descobrir que o inimigo é igual? Como prosseguir matando quando se tem a noção de que não existem monstros do outro lado, mas seres humanos com desejos e sonhos? E, talvez até mais importante, com o mesmo medo da guerra e igual saudade de casa? São estas questões que levam o comandante francês responder a um superior quando é confrontado sobre a atitude de sua tropa: “Morrer amanhã é ainda mais absurdo que ontem”.

Mesmo com esta mensagem bem transmitida, Carion não consegue evitar alguns deslizes em Feliz Natal. Além do já mencionado início arrastado, a construção dos personagens é falha. Os poucos aos quais o espectador chega a conhecer jamais são desenvolvidos satisfatoriamente, mantendo-se apenas na descrição estereotipada em filmes de guerra: o soldado que lembra da esposa, o que cogita a deserção, o que escreve as cartas para a família, para citar alguns.

Em outras palavras, o que realmente emociona é a grandiosidade do acontecimento e da atitude de todos aqueles homens e não a história pessoal de alguns deles. Talvez tenha sido a opção de Carion, mas falta uma maior conexão com os personagens para deixar o filme mais poderoso. Para se ter uma idéia, é até difícil lembrar os nomes dos soldados pouco tempo após o término da produção.

Ainda assim, Feliz Natal continua uma história emocionante e incrível, contada com habilidade por Christian Carion. Bem dirigido e interpretado, o filme merece ser visto por sua mensagem de alento e esperança. Mesmo nos momentos mais difíceis, basta um pouco de boa vontade para que o ser humano consiga encontrar seu lado bom. Como fizeram estes homens naquela fria noite de Natal.

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