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Críticas

Cineplayers

Quando sentimentos são o clímax.

7,0
Mais conhecido por ter usurpado o Oscar de Touro Indomável em 1981, Gente Como a Gente pode não ter a opulência maneirista do filme de Scorsese, mas é um filme metódico que tangencia assuntos pertinentes à sociedade que se propôs a refletir, sem pudor algum em explorar aspectos realmente deprimentes de sua história. Certamente não foi fato inédito. De maneira similar, em 1980, Kramer Vs. Kramer abocanhou prêmios que muitos julgam até hoje serem moralmente destinados a Apocalipse Now. Duas obras cheia de textura e transgressões, repletas de experimentações cinematográficas aliadas a uma narrativa de extremo vigor, preteridas por dois filmes menores, muito diretos, mas que souberam se aproveitar do contexto social para garantir a sua fama.

Conrad é um garoto pensativo e está cada vez mais inquieto com a extrema atenção que recebe dos pais e de seus amigos. O motivo nos é explicado logo de cara: alguns meses antes, Conrad tentou o suicídio, provavelmente por algum motivo relacionado a morte do irmão mais velho. Pai e mãe adotam posturas divergentes no zelo pelo filho, recém liberado do hospital psiquiátrico após ter se recuperado da tentativa de suicídio. Calvin se preocupa demais, cuida demais, enquanto a mãe, Beth, demonstra um pouco mais de desprendimento ao garoto.

É dentro desse triângulo que as relações do filme se costuram. A primeira impressão é que o comportamento de preocupação intensa e constante do pai oprime Conrad, enquanto a leveza de Beth dá mais confiança para que o filho volte a ter uma vida normal. Mas quanto mais enfocam a rotina desconcertante dessa família atormentada por um acontecimento traumático, mais as lentes de Redford revelam sentimentos opostos aos da primeira impressão.

Enquanto a sensação de desprendimento da mãe torna-se, para Conrad, uma postura clara de desprezo, Calvin encontra-se no meio do fogo cruzado, tendo de lidar com o fato de dividir o lar com duas presenças que, de maneira cada vez mais evidente, não se toleram ou não se compreendem. Além de uma terceira presença, evidente desde o começo da história – a do irmão morto em um acidente ao lado de Conrad.

Embora aparentemente invisível, a câmera de Redford não se furta em registrar esses presenças relacionando-se umas com as outras, realmente dando espaço para que os incômodos, os silêncios e os descontentamentos apareçam. Numa cena aparentemente inócua, Conrad se depara com a mãe ao chegar em casa e os dois têm uma interminável sequência de um diálogo que parece não se encaixar para nenhum dos dois. É incômodo ao espectador, pois aparentemente trata-se de dois atores sem a menor química contracenando, mas o progredir da história releva comportamentos que essa cena antecipa muito bem.

Justamente por não se amparar tanto na linguagem cinematográfica – à exceção de alguns movimentos de câmeras precisamente planejados – o filme necessitaria que a maior parte da potência dramática seja exposta pelos atores. Todos trabalham muito bem, com Timothy Hutton (que interpretou Conrad) sendo inclusive premiado com um Oscar de melhor ator coadjuvante (embora ele seja obviamente o protagonista). Mary Tyler Moore (Beth) também está eficaz, mas é Donald Sutherland (Calvin), no papel do pai perdidamente dedicado ao filho, que rouba a cena, num trabalho de olhares e tons que revelam sentimentos complexos e, muitas vezes, contraditórios. Curiosamente, Sutherland é o único ator principal do filme que não foi indicado a nenhum Oscar.

Embora a relação triangular entre pai, mãe e filho seja um grande destaque em Gente Como a Gente, o filme não é só isso. A história também dá espaço para mostrar Conrad vivendo sua vida normal de adolescente, dividindo-se entre a escola, os amigos, a primeira namorada e as visitas frequentes ao psiquiátra (interpretado por Judd Hirsch, também indicado ao Oscar por ator coadjuvante). Embora os momentos sirvam ao claro propósito de dar profundidade ao personagem principal da história (estabelecendo inclusive questões que envolviam o passado, antes da morte do irmão), acredito que o filme perde muito poder nesses momentos, onde os sentimentos menos triviais não estão em jogo. 

As visitas ao psiquiatra soam especialmente expositivas demais, talvez até datadas para os nossos dias, onde a terapia não é vista mais como um tabu na vida das pessoas. Com certeza, porém, as menções das mesmas no filme, além de lidar com a depressão (numa perspectiva um pouco limitada, eu diria, estando tão intrinsecamente ligada a um trauma tão claro como é aqui), ajudou o filme a fazer sucesso.

Esses momentos menos vigorosos concentram-se quase que totalmente no segundo ato. No final, quando um novo acontecimento trágico serve de gatilho para que Conrad enfrente cara a cara seus demônios, o filme reassume sua potência inicial, obrigando os personagens a confrontarem-se de verdade. Embora o filme seja de 1980, não vou revelar nenhum acontecimento importante da história pois sinto que, talvez por causa do ranço por Touro Indomável, talvez por aparentar ser um dramalhão oscarizável, tenho a impressão que Gente Como a Gente seja muito menos visto do que merece. Talvez até seja um filme feito pra ganhar Oscar. Mas não é, de maneira alguma, inofensivo.

Comentários (1)

Conde Fouá Anderaos | domingo, 11 de Fevereiro de 2018 - 12:14

Ranço do Touro Indomável nada!!!! Esse filme roubou a estatueta de "O Homem Elefante". Duvido que seja melhor que a obra-prima de Lynch.

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