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Críticas

Cineplayers

Pedaços deslocados de celulose juntam-se para montar uma espécie de filme que hoje é visto como horroroso mas deliciosamente curioso.

3,0

Glen ou Glenda se apresenta como uma sucessão de equívocos tão grotescos que chegam a beirar o brilhantismo. Numa época de grandes filmes e diretores, Ed Wood, muito antes de Pedro Almodóvar, dirige o filme sobre travestis, bem antes da revolução sexual, numa época em que a sexualidade humana era abordada com cautela e pudor, e temas como homossexualismo e transexualismo eram demasiado ousados.  

Grande fã de Orson Welles, Edward D. Wood Jr, só entrou para a história do cinema nos anos 80, quando um grupo de críticos o intitulou de “O pior diretor de todos os tempos”, e assim ele se tornou infinitamente mais famoso depois de morto que durante sua vida. Assim como seu ídolo, Ed Wood era produtor, diretor, ator e roteirista de seus filmes. Porém seu trabalho é infinitamente inferior a qualquer outro já realizado por Welles.

O roteiro de Glen ou Glenda gira em torno do suicídio de um travesti. Após esse acontecimento, o chefe de polícia responsável pelo caso procura um psicólogo para tentar entender o que leva um homem a se vestir de mulher. Este conta ao policial a estória de um homem chamado Glen, que apesar de ser heterossexual, tinha como hábito se vestir de modo feminino.

Apesar de o tema do filme ser à frente de seu tempo, Glen ou Glenda, parece ser vários filmes ruins dentro de um só. Em certos momentos lembra um sombrio programa noturno de terror, cujo apresentador é uma mistura caricata e sombria de um ser onisciente com Drácula, interpretado por Bela Lugosi. Noutras vezes, o filme toma ares de documentário, com imagens de aviões no céu, uma manada de búfalos correndo, fábricas funcionando. Mas na maior parte do tempo o que se apresenta é uma compilação de imagens e diálogos que pouco contribuem para o seu desenvolvimento. Apenas tornam o conjunto mais confuso e ruim, com seus péssimos atores (exceto por Bela), fusões sem correspondência, cenários tremendamente falsos e precários, e claro, uma trilha sonora usada de forma tão aleatória quanto algumas das imagens de arquivo utilizadas (ou teriam sido arremessadas?) no filme.

Enfim, tudo em Glen ou Glenda ajuda a corroborar a idéia de que Ed Wood é mesmo o pior diretor do mundo. Tudo no filme transborda precariedade, amadorismo e bizarrice. Contudo, e provavelmente devido aos anos que se passaram, creio que Glen ou Glenda possa ser encarado como um divertido filme B, que de dão ruim, tão cheio de defeitos, torna o ato de assisti-lo um passatempo único e recomendável. 

Revendo o filme “Ed Wood” de Tim Burton, em homenagem ao diretor, penso que o cinema não é feito apenas de muito talento, forma e conteúdo, mas também por grandes apaixonados pela sétima arte. Figuras algumas vezes excêntricas, pitorescas, mas que fazem do cinema um mecanismo tão concreto quanto abstrato, tão fantástico quanto real, presente e fundamental em nossas vidas. Para um homem que se considerava um diretor de uma tomada só, alcoólatra, ex- combatente de guerra que serviu seu país usando roupa íntima feminina por baixo da farda, penso que Ed Wood se deu bem com a prova do tempo e seus filmes estão sendo redescobertos após o filme de Tim Burton, onde o personagem título é interpretado por Johnny Depp.

Algo do filme que gruda em nossas mentes depois que o assistimos, são as palavras que o personagem de Bela repete com sotaque húngaro várias vezes ao longo do filme, “cuidado, cuidado. Cuidado com o grande dragão verde que se senta à sua porta. Ele devora criancinhas, rabos de cachorrinhos e grandes lesmas gordas... cuidado, cuidado.” Essa é a síntese do trabalho de Ed Wood. Em seu filme, pedaços tão deslocados quanto esse citado, se juntam para fazer da obra um filme onde a estória central é o que menos importa.

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