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Godzilla

(Gojira, 1954)
7,8
Média
66 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma alegoria a respeito da percepção do Japão acerca de si mesmo.

8,0

 

SPOILER ALERT!
A crítica abaixo discute pontos importantes da trama.
Leia apenas depois de assisti-lo ou a faça por sua conta em risco.

 

Uma das teses repercutidas pelo trabalho do antropólogo francês Lévi-Strauss é a de que os mitos são representações secularizadas de inquietações humanas, ao invés de narrativas fictícias ingênuas e arbitrárias – daí a ideia de que os mitos são essencialmente a mesma história, contada de maneiras diversas em diferentes tempos e culturas.

Por um lado, meu conhecimento sobre antropologia e estudo de mitos é extremamente irrisório. Por outro, talvez seja precisamente o suficiente para que eu comece a sacar qual que é a de Godzilla, um filme que, em 1954, era a maior produção da história do cinema japonês, forjado especificamente para fazer sucesso e angariar muita grana.

Porque naturalmente o Godzilla é isso, uma representação claríssima da memória e do terror da bomba atômica. Uma criatura anfíbia do período jurássico que desperta de seu sono após testes com bomba de hidrogênio serem realizados no oceano. Tanto é assim que o aspecto mais assustador do Godzilla não é que ele cospe fogo, ou que ele tem zilhões de mil metros de altura. O mais assombroso no monstro é o fato dele ter sobrevivido à bomba atômica.

O que leva a gente pensar que o Japão também sobreviveu. Então, ao mesmo tempo que o Godzilla é a manifestação dos temores da humanidade frente ao poder de destruição que ela mesmo conquistou, é também uma representação do próprio Japão enquanto nação. Porque ele manifesta a desconcertante junção entre o novo e o antigo, entre algo que, outrora oculto, agora é escancarado.

Embora o filme seja preenchido com uma rancorosa atmosfera antiamericana, há fatos expressos denotando fortemente que Godzilla é, acima de tudo, uma alegoria a respeito da percepção do Japão acerca de si mesmo. Mesmo sua trajetória indica que o monstro é uma reflexão da cultura japonesa, surgindo primeiramente numa ilha isolada, direcionando seus ataques primeiramente às vilas e depois à capital. A jornada do monstro se confunde com a modernização do Japão.

Ele primeiramente surge através de um relato solenemente ignorado de um ancião pescador. O velho diz que Godzilla é um demônio das profundezas do oceano, e que ele requer o sacrifício de uma jovem garota para manter-se adormecido.

O aprofundamento científico na história revela que o monstro é um sobrevivente das eras passadas, libertado de seu habitat natural pelos testes com bomba de hidrogênio realizados no oceano.

Embora sejam duas narrativas de ficção, no universo diegético elas são, a seu modo, verdadeiras. Porque embora dotada de magia e superstição, o relato do ancião está profundamente ligado com a verdade (exposta através da explicação científica). Pois o Godzilla é, acima de qualquer coisa, uma vingança cármica fatal destinada a uma humanidade relapsa, que ignora o aspecto mais tradicional e primogênito do mundo: a natureza.

O despertar do monstro se confunde com sua aniquilação. Resistente à bombas, tiros, mísseis, Godzilla é derrotado pelo assombroso poder científico: uma bomba silenciosa que destrói o oxigênio de uma determinada região do oceano. Acordado por uma bomba, colocado ao chão por outra. Mas sua morte não acontece sem um sacrifício.

O criador do Oxigen Destroyer, Dr. Serizawa, é um cientista brilhante que perdeu um olho na Segunda Guerra. Inicialmente, reluta em usar sua bomba, pois não quer adicionar “mais uma arma no arsenal da humanidade”. Ele temia que sua criação pudesse ser usada para fins de destruição. Era a guerra fria. O fim do mundo era iminente.

Após ser convencido por Emiko e Ogata, a primeira seu amor prometido antes da guerra, o segundo o noivo dela, Serizawa aceita usar a bomba no monstro. Para tanto, ele queima todas as suas anotações e se entrega, juntamente com Godzilla, ao poder do Oxigen Destroyer – única maneira de assegurar que sua criação não seria jamais usada para fazer mal à humanidade e à natureza.

Erguendo-se a partir das inquietações humanas, Godzilla surgiu como uma das primeiras superproduções do cinema japonês e entrou para a história. Não apenas foi responsável por diversos remakes e derivações, mas efetivamente entrou no imaginário popular. Para estes que, assim como eu, se familiarizavam com o filme apenas pelas suas reverberações na cultura pop, o filme de Ishirô Honda certamente é uma surpresa por não se tratar de uma narrativa de ação descerebrada, mas uma cativante história de horror da guerra fria.

É o Vampiros de Almas japonês. Se no filme americano (certamente o melhor filme já feito na história) o terror se manifesta através das mentiras anticomunistas, perpetuadas pela propaganda americana da época (qualquer um poderia ser um comunista, um traidor da ordem), o filme japonês assume uma relação muito mais complicada com o medo, deflagrado pela memória, mas também expresso pelo o que está na sua frente, seja um monstro de 200 metros ou um cogumelo de fogo colossal.

Comentários (13)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 17 de Fevereiro de 2015 - 19:55

Tirando o remake de 1998, gosto de todos do lagartão!!!!

Adriano Augusto dos Santos | quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015 - 08:32

Godzilla na roda,muito bom ver isso !
É o rei dos monstros definitivamente,ainda mais esse,o clássico imortal que resiste a tudo.

Jules F. Melo Borges | quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015 - 22:34

Tirando a má edição, o filme ainda funciona. A desgraça das sequências (A partir King Kong vs.) foi transformar o monstro num herói infantil (Gee, em Godzilla Vs. Hedorah ele luta contra a poluição!).
Uma pena que só usaram a versão original do rugido nesse e no Godzilla Raids Again. A versão aguda de King Kong vs... em diante não dá nenhum impacto.

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