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Críticas

Cineplayers

Um conto de fadas.

5,0
O letreiro inicial de Grace de Mônaco já faz um mea-culpa: o filme que viria a seguir seria um conto de fadas baseado em fatos reais. Na teoria, parece justo. Grace Kelly era uma das maiores estrelas de Hollywood dos anos 50 quando resolveu casar com o Príncipe de Mônaco, Rainier III, tornando-se de fato uma princesa; alcunha que já carregava por sua beleza e o jeito gracioso de ser de antes de seu casamento. Na prática, nem tanto.
 
O filme ameniza os principais conflitos de Grace (Nicole Kidman), que depois de seu casamento digno de um trabalho da Disney, viu-se isolada em um novo país, sem contato com amigos, sem trabalho para lhe satisfazer e com um marido distante, sobrando apenas os filhos e o trabalho comunitário. Não que o filme esconda que Grace, talvez, tenha feito uma escolha errada: seus diálogos e sua câmera fechada durante os momentos mais tensos reforçam o confinamento psicológico a que ela estava, digamos, condenada, mas a abordagem é leve e segue a fórmula fácil de um filme comercial norte-americano.
 
Mônaco estava em uma situação delicada com a França, que pressionava o país politicamente em mais uma tentativa de agregá-lo ao seu território. Grace, visitada por Hitchcock para lhe oferecer o papel principal de Marnie - Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964), tinha o seu retorno à Hollywood questionado pelo povo devido ao momento político delicado e era usada como arma pelos rivais de seu marido para questionar sua autoridade. Sem querer me estender muito na sinopse: como todo conto de fadas, Grace resolve seu conflito interno assumindo o papel de esposa e ajudando o Príncipe não apenas como sua mulher, mas como todo mundo esperava que ela agisse quando casou com ele, como uma Princesa de um povo. Era uma espécie de super mulher dos anos 60: completava o marido, mas com poder de voz. Será que isso a diferenciaria do olhar machista da época?
 
Uma das principais falhas de Grace de Mônaco é que, ao tentar humanizá-la como mulher, perde a profundidade da situação em que ela vivia como pessoa para torná-la ainda mais uma boneca plástica trabalhada na situação. Ao invés de fortalecê-la, pela abordagem do filme, torna-a sem querer um monumento para Reinier. O filme acha que a libertou, quando na verdade jogou na moldura uma imagem pintada de vestido listrado em preto e branco com uma bola de metal agarrada ao tornozelo. A situação era muito mais complexa, grave, triste e doída do que o modo romantizado com que foi retratada. É um filme muito bonito esteticamente, como já era de se esperar de uma produção desse quilate, com atores competentes, mas muito unilateral, uma baita oportunidade jogada fora. Não deixa de soar política - e irônica - sua escolha para abrir o Festival de Cannes desse ano.
 
Há ainda um momento irresponsável ao mostrar Grace dirigindo loucamente por uma estrada, o que sugere que ela pode ter tido culpa na sua própria morte, anos depois, em um acidente automobilístico. É algo perigoso, principalmente por não citar o acontecimento no final e por todos saberem que sua vida passou longe de terminar com um 'E viveram felizes para sempre' tradicional dos contos de fada em que o filme se inspirou. Faltou coragem, como quase tudo em um filme que não consegue, jamais, ir além do mediano. Já já vai ser esquecido, algo que sua fonte de material jamais será.

Comentários (4)

Pedro H. S. Lubschinski | quarta-feira, 18 de Novembro de 2015 - 10:28

Pô, Cunha, acho que foi a primeira pessoa que vi que teve coragem de ver esse

Cristian Oliveira Bruno | quarta-feira, 18 de Novembro de 2015 - 13:04

Pra mim esse já nasceu esquecido: nem sabia de sua existência. E Kidman precisa mudar de agente urgentemente...

Alexandre Koball | quarta-feira, 18 de Novembro de 2015 - 13:14

Esse e o Diana deixei passar...

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