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Críticas

Cineplayers

Do interior cerebral ao coração pulsante.

9,0
Pawel Pawlikowski pode em algum momento ser acusado de realizar filmes duros, e não estou necessariamente falando de aspectos emocionais. Desde Ida ele investe em projetos quase barrocos artisticamente, com uma concretude de planos que os deixa quase como espécies de quadros vivos. No seu longa anterior isso era levado ao extremo, ainda que não faltasse beleza estética ao todo. Os elementos que cercavam a narrativa anterior tinham sua fundação em estrutura investigava que seduziam tanto quanto criavam uma redoma para a utilização da estrutura pretendida, um jogo de máscaras. Aqui Pawel se libertou dessa condição para um processo mais livre, ligado mais aos seres do que às causas. Talvez tenha aperfeiçoado seu pincel ao criar empatia com o universo que filma.

A premissa é simples: durante o período de uma década, um maestro polonês conhece uma cantora e inicia com uma ela um romance permeado por uma série de idas e vindas, que incluem viagens para outros países e separações que parecem não ter volta; o amor, no entanto, acaba sempre os reconectando. A partir dessa aparente simplicidade narrativa, o diretor volta a moldar suas ideias a partir de um visual particular e espetaculoso. Aqui com preocupação factual deslocada para o que as ações provocam no interior das relações, Pawel se liberta para suas provocações imagéticas conquistando o espectador em outra seara. Construindo essa ideia com a ajuda de uma equipe que conjuga junto a ele de sua visão estética aguçada, o vencedor do prêmio de direção em Cannes parte para enfim aguçar seu olhar para o humano.

Wiktor é um homem metódico que se desestabiliza ao encontrar uma figura tão fascinante quanto diversa. Zula é uma jovem de espírito livre que se envolve com esse tipo que é seu oposto, e ambos terão que ceder em suas personalidades para viver uma história que se desenha de forma atropelada. A organização do autor é transformar suas recorrências estilísticas em signos palatáveis, e pra isso essa estratégia de conexão através das linhas evolutivas de seus protagonistas é crucial. O trabalho conjunto dele com seu casal de atores é de enorme responsabilidade para conseguir esse espaço empático, e Joanna Kulig e Tomasz Kot contribuem com entregas espetaculares. Enquanto ele tenta se manter frio diante do vulcão à sua frente (se dissipando vez por outra), é de Kulig os grandes momentos da projeção, uma força da natureza que se desdobra em camadas a cada nova passagem, renovando o estoque de uma personagem em constante e correta evolução.

O bem sucedido parceiro de Pawel atrás das lentes está de volta, e mais uma vez o trabalho de Łukasz Żal impressiona. Se em Ida a composição dos planos tinha rigor, orquestração e minúcia, a esses adjetivos a dupla acrescenta liberdade na nova empreitada. Já ciente das marcas que ambos empreenderam anteriormente, agora eles estão soltos para conseguir do novo filme a erupção necessária para afetar não apenas o objeto filmado. De posse das suas certezas, Pawel pode propor momentos de anarquia dentro do trabalho de ourives que parece ser uma busca sua particular. Através do minúsculo de sua partida, constroem em parceria um filme que conquista facilmente apesar de sua elaboração visual requintada. Trata-se de um produto sem concessões, mas cuja lapidação trouxe uma energia viva e pulsante ao projeto.

Filme visto na Mostra de Cinema de São Paulo

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