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Críticas

Cineplayers

Harry Potter continua sem sua obra-prima, mas é um bom filme, lindo de se ver e divertido de se acompanhar.

7,5

Na literatura a lógica tem se mantido. Com o amadurecimento de seus personagens, os livros da série Harry Potter sempre superam seus antecessores. Já no cinema, essa lógica não funciona muito bem. Harry Potter e a Câmara Secreta, por exemplo, é inferior ao primeiro longa, e esta quinta produção, Harry Potter e a Ordem da Fênix, não consegue superar o quarto filme, de Mike Newell, que é o melhor de todos. Mas isso não significa que a mais nova aventura do bruxo mais famoso do mundo seja ruim. Pelo contrário, é boa. Entretanto, fica a sensação de que poderia ter sido melhor.

Como se já não bastasse ter passado as férias de verão inteira na companhia dos Dursley e sem nenhuma notícia de seus amigos, Harry ainda tem de enfrentar o ataque inesperado de dois dementadores – guardas da prisão de Azkaban -, que, inexplicavelmente, atacaram a ele e a seu primo, Duda, no bairro da família, em Londres. Como a prática de magia fora da escola de Hogwarts é proibida para menores de 17 anos, o bruxo corre o risco de ser expulso da escola caso um tribunal do ministério da magia entenda que essa é a medida correta a ser tomada. Nesse meio tempo, alguns bruxos, entre eles Olho Tonto Moody, vão à casa dos Dursley para resgatar Harry, e levá-lo para a sede da Ordem da Fênix, onde diversos bruxos, inclusive seu padrinho Sirius Black, reúnem-se para discutir como combater as ações do Lorde das Trevas. Absolvido das acusações contra ele, Potter e seus amigos terão de enfrentar um ano complicado em Hogwarts, com desafios cada vez mais perigosos.

O novo Harry Potter está melhor em muitos aspectos. O principal deles foi saber como transpor a história para as telas sem prejudicar o entendimento. A produção aborda todos os conceitos do livro de maneira clara, e mesmo quem nunca leu um livro da série, saberá tudo o que ocorre, e tudo que de importante aconteceu no longa anterior. Uma continuação muito coerente. Dinâmicas, as duas horas e meia de filme passam rápido, ou ao menos não demoram. Além disso, os conflitos internos de Harry são interessantes. Se a história, acompanhando o crescimento de seus leitores, fica, a cada livro, menos infantil, o filme tem de acompanhar essa mudança. Mas às vezes ainda peca ao tentar apropriar a produção para todas as idades. No livro, tudo parece muito crível e realista – mesmo o leitor sabendo que não é -, no longa, há momentos em que a credibilidade é afetada. Voltando a analisar o personagem principal, Harry sente-se, no início, sozinho e se isola de seus amigos por não saber com quem pode contar para enfrentar os problemas que vieram – e ainda o atormentam – e os que virão. 

O crescimento de Harry vem acompanhado de seu primeiro beijo. A cena em que o bruxo beija a estudante Cho Chang vai se desenhando de maneira clara e calma, até que o inevitável momento chega, sem que ocorra nenhum tipo de exagero, apenas um beijo simples. Mas, o mais empolgante não é ver Harry dando seu primeiro beijo, e sim a conversa em que ele conta para Rony e Hermione sobre o ocorrido. As colocações de Rony são sensacionais. E as conclusões de Harry sobre como foi o beijo também não ficam atrás. Vale lembrar que Chang é ex-namorada de Cedrico Diggory, personagem assassinado na produção anterior. E as mortes são outro ponto que amadurecem a história. Aqui, Harry novamente passará pela desagradável experiência de perder alguém. Sem falar que, a cada filme, vai se desenhando o caminho para histórias cada vez mais sérias e trágicas. Prepare-se para acompanhar mais perdas nas próximas continuações. Em filmes com mocinhos e vilões bem definidos, como os desta série, poderíamos acompanhar um filme maniqueísta, mas isso é inexistente em Harry Potter. Além de o próprio personagem colocar em cheque sua condição de pessoa boa, há ainda o trecho em que Sirius diz ao garoto que ninguém é inteiramente bom ou ruim. Todos têm um pouco de treva e luz dentro de nós. Que bom que a produção deixa claro querer se afastar desse conceito de batalha “bem X mal”, aproximando-se mais do conceito de “liberdade X tirania violenta”. 

Os alunos dividem-se, em Hogwarts, entre aqueles que acreditam e os que duvidam da versão de Harry a respeito do retorno de Voldemort. Esta é a divisão principal do filme, tanto que em momento algum são citados os nomes das casas (Sonserina, Grifnória, Corvinal e Lufa-Lufa), com exceção das cenas no refeitório, porque desta vez não importa quem defende qual casa, mas sim, quem defende Harry e quem o acha um louco.     

As interpretações estão melhores. O trio mirim melhorou muito, mas ainda não chegou a um nível ideal de interpretação, com exceção de Rupert Grint, o Rony, que claramente é o ator que mais amadureceu profissionalmente, e realiza um trabalho muito competente sempre que aparece. Outra figura interessante em cena, como não poderia deixar de ser, é Lorde Voldemort, vivido pelo ótimo Ralph Fiennes. Seu vilão é bastante imponente. Mas quem rouba a cena é a competente Imelda Stauton, intérprete da nova professora de defesa contra a arte das trevas, Dolores Umbridge. Com um jeito meigo de ser detestável, a atriz soube bem encarnar o espírito de sua personagem.  

Falando em Dolores Umbridge explicarei melhor seu papel no filme. Durante o julgamento de Harry, ela deixa claro ser uma importante aliada do ministro da magia, Cornélio Fudge, que nega o retorno de Voldemort acusando Harry e Dumbledore de estarem mentindo a fim de que o diretor de Hogwarts possa assumir a posição de ministro. O método de aula da professora, apenas teórico, desagrada os alunos que acreditam no retorno de Voldemort e, por isso, acham que não estão sendo devidamente preparados para se defender do poder das trevas. Enquanto Dolores vai aumentando seu prestígio junto ao ministro e tendo, conseqüentemente, mais poderes na escola de magia, os alunos descontentes, liderados por Harry, formam a organização secreta ”Armada de Dumbledore”, que tem como objetivo ensinar defesa contra as artes das trevas na prática.  

Os alunos estão cada vez mais independentes e mais conscientes do que acontece no mundo em que vivem, e da importância de estarem preparados para participar de mudanças. Harry Potter é pontuado por mensagens discretas como essa, o que é interessante, já que cada espectador tira a lição que quiser e, se preferir não tira lição alguma, apenas se diverte com a ação presente no transcorrer da projeção. Entretanto, algumas mensagens ainda são mastigadas para o público. Não era necessário, mas dessa maneira, ao menos, passa seu recado para a platéia mais nova, sem exagerar na quantidade. 

Para não me prolongar muito, falarei, por último, dos aspectos técnicos de Harry Potter e a Ordem da Fênix. O trabalho de maquiagem não pode ser ignorado, ainda mais com Voldemort em cena. Os efeitos especiais estão cada vez melhores, trazendo o mundo do impossível mais perto da realidade. Já a trilha sonora, de Nicholas Hooper, infelizmente, é muito bobinha. A série Harry Potter ainda não teve a trilha que merece. Está na hora de chamarem alguém do gabarito de Clint Mansell. O grande destaque fica mesmo por conta da brilhante direção de arte que cria cenários fantásticos com riqueza nos pequenos detalhes. Stuart Craig é um dos grandes desenhistas de produção do cinema. Direção de arte talvez seja a única chance real de Harry Potter receber uma indicação ao próximo Oscar. Se der zebra, o bom trabalho de maquiagem pode ser lembrado, assim como o trabalho da figurinista Jany Temime, também muito competente.   

O diretor David Yates poderia ter sido um pouco mais ousado, mas até que acabou realizando um bom trabalho. Soube arrancar boas atuações e trouxe uma visão correta sobre o mundo mágico de Harry Potter. Enfim, a série apresenta mais um bom exemplar, mas ainda fica devendo sua obra-prima (se é que virá). Os próximos filmes têm tudo para serem melhores, e a esperança é de que o sétimo feche a série com chave de ouro.

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