Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

O terror que se nega.

2,0
Em entrevista recente, o diretor Ari Aster revelou que seu novo trabalho, Hereditário (Hereditary, 2018), era mais que um filme de terror, embora tivesse sido divulgado como tal. Um dos hits do festival de Sundance desse ano, o filme de fato parece fugir do rótulo e reforça uma tendência recente de trabalhos que se consideram algo diferente, ou “além”, do gênero, mas que no fundo não oferecem nada de realmente avante ou novo no cenário do cinema independente. Mas o que dizer de uma sinopse que revela uma família atormentada por um tipo de assombração após a morte da avó? Cedo ou tarde, Hereditário acaba trombando com aquilo que mais teme, mas que no fundo é sua exata definição: um filme de terror. 

O grande problema nesses filmes que se dizem além de um gênero, é a pretensão de querer oferecer algo muito inovador e ao mesmo tempo a arrogância de rebaixar o cinema de gênero, como se a condição de “filme de terror” fosse um demérito, ou como se não fosse o suficiente para alguém que deseje ser levado a sério. Nesse ímpeto de romper expectativas e tentar provar que são melhores e mais evoluídos do que outros exemplares do gênero, acabam por, ironicamente, resvalar nas estruturas mais convencionais e desgastadas do horror, a começar pela própria trama da casa assombrada. 

Aster trabalha sua primeira hora inteira na base das sutis insinuações, nas brincadeiras com o fator sobrenatural como podendo ser real ou apenas fruto do estado psicológico/emocional abalado dos personagens, tentando se aprofundar nos dramas de cada membro da família e como o luto os afeta individualmente. Mas suas tentativas de distanciar o espectador de qualquer suspeita óbvia se traem quando o próprio diretor não consegue largar dos recursos mais batidos de um filme de terror fraco, como a trilha sonora onipresente, que não dá trégua em nenhuma das sequências dramáticas, impedindo qualquer respiro e autonomia dramatúrgica. Cada singular enquadramento de Hereditário é acompanhado de uma trilha intensa que indica algo de ameaçador, cada conflito entre os personagens é pontuado exaustivamente com a mesma trilha invasiva, e somando isso à direção de atores sempre no limite do over, temos um resultado excessivo, cansativo, que jamais nos conecta aos personagens e por vezes se torna involuntariamente cômico.  

O apelo visual do filme se encontra nas miniaturas em madeira feitas pela mãe, que explora cada canto da casa e procura criar um ar labiríntico no qual revelações do passado dos personagens são encenadas com bonecos e cenários de brinquedo. As semelhanças entre as miniaturas e as construções em tamanho real poderiam ser uma forma interessante de dimensionar o alcance das ações dos personagens e permitir enxergar ou não as possíveis aparições fantasmagóricas, mas tudo fica na base da intenção, se esgotando muito rapidamente e logo sendo esquecido e retomado sucessivamente. 

Depois de passar seu primeiro ato inteiro fugindo do que há de mais elementar no gênero para tentar construir o tal do “algo além” que o diretor tanto ambiciona, é engraçado notar como o mesmo se trai em um segundo momento, onde o horror sai da base da sugestão e começa a tomar formas concretas. Nesse ponto, Aster simplesmente se rende a uma sucessão de clichês batidos de todo filme de terror sobrenatural do filão comercial de shopping, como um Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007) da vida, sem acrescentar nada de interessante, seja na narrativa, seja nas opções visuais. Não à toa, acaba sendo a parte mais fácil de encarar de todo filme, pelo menos mais agitada que o começo insuportavelmente lento e inócuo no qual Aster tenta provar o quão “sério” é. 

O que começa como um filme sobre o luto e sobre a tal da hereditariedade na família, capaz de delegar aos filhos todos os medos, paranoias e traumas dos pais, ou a discussão sobre a inaptidão do individuo em exercer os papéis pré-estabelecidos para ele dentro de uma estrutura familiar, no fim esquece seu próprio discurso e se envereda por algo completamente absurdo, em que a concretização do mal soa apenas boba e aleatória. Não que isso seja o maior problema, já que não há qualquer conexão real estabelecida entre o público e os personagens, de modo que é difícil se importar quando algum deles se encontra em perigo. Se a princípio se mostra tão pretensioso e vazio quanto um Ao Cair da Noite (It Comes at Night, 2017) nessa exploração do “nada” como desculpa para a picaretagem de um roteiro que não sabe pra que lado atira, depois vai pelo lado contrário e acaba mostrando em excesso tudo aquilo que antes negou e se revelar, por fim, o filme de terror ordinário que sempre foi. 

Comentários (8)

Anderson Paulo De Oliveira De Almeida | sexta-feira, 12 de Outubro de 2018 - 13:26

😐´Tenho que ser sincero e dizer que discordo de você em vários aspectos, o roteirista foi muito sábio ao não nos entregar uma narrativa convencional ao explorar as atitudes de cada personagem ante à situação que estão inseridos; é interessante o sutil uso de cores, por exemplo, quando Peter é filmado à esquerda e ao fundo vemos à direita a casa na árvore projetando uma intensa luz vermelha (obs: o vermelho entre outras coisas simboliza "perigo"); a fotografia ajuda muito na construção do suspense como quando a iluminação vai se tornando escassa deixando o cenário cada vez mais frio em suas composições á medida que o filme avança; gostei muito do uso do som, sútil em alguns momentos e expositivo em outros sem que estrague a experiência do espectador, como que pondo a dose certa apenas para temperar o filme. O elenco está incrível, Toni Collete retrata bem a histeria e a loucura (repare como ela transmite isso através do olhar e da expressão facial), +

Anderson Paulo De Oliveira De Almeida | sexta-feira, 12 de Outubro de 2018 - 13:47

😐Alex Wolff mostrando que não depende de Nickelodeon para ter talento, Gabriel Byrne encarna um personagem que tenta manter a sanidade mas em algum momento não aguenta e chora por conta dos problemas da família, Milly Saphiro impressiona ao evidenciar um misto de empatia e estranhamento... Gostaria também de destacar a competência do diretor com a câmera principalmente quando resolve usar o travelling shot, sério, quem ainda não viu o filme preste atenção nisso, mesmo quando a câmera está estática os planos criam um ar de incerteza como se não soubessemos o que está por vir mas ainda sim somos induzidos a obter uma resposta; quanto á trilha sonora não achei que comentou cada momento exaustivamente, ao contrário, nos momentos de tensão na família, como quando mãe e filho tem uma discussão à respeito de um evento traumático na vida da família a música nem aparece, a tensão do filme é construída através da direção, do enquadramento e da fotografia, vou falar no próximo comentário +

Anderson Paulo De Oliveira De Almeida | sexta-feira, 12 de Outubro de 2018 - 14:15

😐 A cena usa um plano médio na maior parte de sua duração, no frame inicialmente estão centralizados o pai, a mãe e o filho; a cor que predomina é um amarelo intenso ressaltando que a coisa vai sair do controle; quando a discussão toma uma proporção maior, o contra plongée é sutilmente usado na mãe tornando necessário que o plano feche focando-a, em certo momento o câmera foca no pai e desfoca o filho jogando-os á esquerda do quadro, o filho em um dado momento é posicionado perto da sombra mas a iluminação amarela ainda está nele só que com menos intensidade como se ele tivesse algo a dizer, quando tudo fica calmo todos voltam á estar no centro do quadro. Se o filme fosse ruim, pra mim essa cena valeria o ingresso, mas como disse vou na contramão da crítica acima. Pra mim, o problema do filme está na sua conclusão que ficou expositiva e perde parte da tensão criada, por isso pra mim o filme fica com a nota 09.

Thiago Fernando Fasolo Bones | terça-feira, 24 de Setembro de 2019 - 18:03

Fora a atuação da Collete q eu achei ótima, achei engraçado concordar com quase toda a embasada e bem escrita crítica, mas ainda assim achar o filme (de terror, sim) acima da média justamente pelos motivos criticados, como manter e usar a questão psicológica pra dar dúvida à questão fantasmagórica. Pra usar da comparação citada, muito melhor que o péssimo e irritante Ao cair da Noite.

Faça login para comentar.