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Críticas

Cineplayers

Filme de (pouca) ação com roteiro desastroso aborrece desde seus primeiros minutos.

3,0

Filmes que priorizam a forma frente ao conteúdo não podem ser considerados novidade no cinema. No entanto, em alguns casos, a narrativa pouco inventiva de um roteiro simplista pode ser beneficiada por uma estética inteligente, talvez ainda somada a uma linguagem inventiva e a outros elementos fílmicos bem definidos. Heróis, embora tente, não é um exemplo desse cinema e peca em ambas as direções, tanto na forma e ainda mais em seu conteúdo, servindo apenas como um número extra na lista infindável de produções comerciais descartáveis e mal resolvidas lançadas nos últimos anos.

A premissa do misto de ficção e aventura, que pode despertar algum interesse mas que está longe de ser original, apresenta uma realidade alternativa ao mundo em que vivemos hoje, onde pessoas dotadas de poderes especiais vivem normalmente inseridas na sociedade. A origem de tais habilidades é explicada pelo filme logo em seu início, e teria acontecido após uma série de experiências feitas durante o governo nazista com humanos para a criação de super-soldados. Quando uma agência clandestina do governo norte-americano tenta dar segmento aos experimentos, alguns jovens decidem se unir para acabar com a ameaça.

Push (melhor evitar o terrível título nacional, sobre o qual falarei logo mais) não se resolve primeiramente como filme de ação, sabotando possíveis boas cenas com falta de ritmo, uma trilha sonora irritante e coreografias mal desenvolvidas que acabam soando mecânicas, ainda mais quando pretendem ser beneficiadas pelos efeitos visuais da produção – que figuram como outro dos aspectos extremamente falhos no filme.

Representado por um elenco pouco carismático, que conta com o inexpressivo Chris Evans e Dakota Fanning, agora adolescente, que cresce à medida que desperdiça seu talento em produções questionáveis, Push embaraça principalmente através de algumas escolhas do diretor escocês Paul McGuigan, que opta pela ação “pós-Bourne” (ainda não existe termo mais claro para exemplificar tal estética) sem saber como a utilizar corretamente. As câmeras na mão e cenas rápidas acabam por denunciar certo amadorismo do diretor, que além de tudo constrói algumas sequências lentas, que apenas aborrecem, com a intenção de prolongar possíveis momentos dramáticos. Para compensar as falhas de McGuigan em meio ao cenário poluído e cheio de cores de Hong Kong, François Séguin, diretor de arte, merece crédito por seu desenho de produção belo e eficaz.

David Bourla, roteirista de alguns filmes pouco conhecidos e trabalhos para televisão, aparentemente se deslumbrava cada vez mais enquanto desenvolvia o universo de Push, e não se conteve ao criar as mais absurdas habilidades para os humanos especiais de seu filme, como o dom de transformar objetos e o poder da cura. Se a ambientação realista e a justificativa para os poderes dos humanos super-dotados se confrontam com a mente excessivamente fantasiosa de Bourla, o roteirista extrapola ainda mais quando decide nomear cada uma das categorias dos “heróis”, colocando em cena os pushers, movers, watchers, bleeders, wipers, shifters, shadows, dentre outros...

Outro equívoco da trama é o de trabalhar com personagens pouco desenvolvidos e outros que são simplesmente descartáveis, que aparecem apenas quando é conveniente para dar continuidade às situações constrangedoras do roteiro de Bourla. Um grande exemplo de tal afirmativa aparece com a personagem que possui o poder da cura: ela entra na história, salva a vida do protagonista e justifica sua atitude com um simples “devia isso à sua mãe”, direcionado à Cassie, vidente interpretada por Dakota Fanning. A personagem volta a aparecer em Push tardiamente em uma cena curta e desnecessária, onde os mais distraídos poderão questionar quem ela é. E o que dizer da mãe de Cassie então, que participa de uma cena ridícula onde ajuda a uma fugitiva, e posteriormente é apenas citada durante todo o filme?

Com um dos finais mais anticlimáticos que o cinema contemporâneo norte-americano pode oferecer, evidentemente elaborado para deixar (muitas) pontas soltas para uma sequência, Push ainda teve a infelicidade de receber o título de Heróis no Brasil, nome claramente retirado da série televisiva Heroes, que denuncia aos mais distraídos a maior fonte de inspiração do filme.  Curioso é notar que na produção não existe sequer um herói, no sentido literal e não fantasioso da palavra, uma vez que todos os interesses e motivações dos personagens, estejam eles no lugar dos mocinhos ou vilões, são mesquinhos e egoístas. Ainda sobre a deturpação do termo que aparece no título do filme, talvez uma questão possa ser feita a partir de tal dedução: as intenções da produção e de seus financiadores, explicitamente comerciais, também podem ser caracterizadas como atos heróicos? Se aceitarmos a definição do filme para o termo, sim, temos em Heróis o super-filme do ano.

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