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Críticas

Cineplayers

Aventura romântica espirituosa.

8,0
Foi contra o favoritismo dos entusiastas por Edgar Wright, que abandonou a produção do primeiro Homem-Formiga (Ant-Man, 2015) após alegações de divergências criativas com a já gigante Marvel, que Peyton Reed se “intrometeu” na tarefa de finalizar e entregar a produção do pouco conhecido e “menor” (as aspas caem bem após estes dois filmes) dos heróis que a MCU nos trouxe até agora em suas histórias no cinema. Reed, oriundo do universo de comédias diversificadas e tão cheias de personalidade como o irresistível Abaixo o Amor (Down With Love, 2003) e o pesado Separados Pelo Casamento (The Break-Up, 2006), trouxe seu espírito de aventureiro romântico e bem-humorado aos toques perfeitamente notáveis no roteiro de Wright, que conseguiu segurar muito de sua identidade no estilo afiado do roteiro que havia sido escrito ao lado de Adam McKay, Joe Cornish e o próprio Paul Rudd, que assumiu a encarnação cinematográfica de Scott Lang, nosso herói em questão.

Mas agora, o protagonista já não carrega seu nome sozinho ao filme. Pincelada no primeiro filme como o interesse romântico tão inevitável dentro de um óbvio produto comercial (e não há problema em não querer fugir disso), Hope Van Dyne (Evangeline Lilly, a Tauriel da trilogia O Hobbit) assume o manto da Vespa, que antes fora de sua mãe Janet (Michelle Pfeiffer), e se posiciona lado a lado ao protagonismo de Rudd. E Reed, agora livre das obrigações e das comparações com qualquer coisa em relação a Edgar Wright, se faz à vontade para imprimir em totalidade sua agilidade dentro de uma aventura absurdamente bem dosada, que transita com uma lógica impressionante entre os elementos sci-fi e a comédia romântica. Pois sim, Homem-Formiga e a Vespa (Ant-Man and the Wasp, 2018) é, no fundo, o filme que Peyton Reed sempre esteve acostumado a fazer.

Dois anos após os eventos do grandioso Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016) e trancafiado em prisão domiciliar enquanto mantém sua relação mais do que saudável com a filha Cassie (Abby Ryder Fortson), Lang logo é procurado por Hope e seu pai Hank (Michael Douglas) quando surgem indícios de que Janet van Dyne pode estar viva após ter se perdido no Universo Quântico há mais de 30 anos. Os interesses do trio, é claro, logo entram em conflito com a misteriosa Fantasma (Hannah John-Kamen).

A primeira surpresa é que, apesar desse tom um quanto auto-importante da trama, Homem-Formiga e a Vespa é um filme que assume identidades totalmente contrárias, igualmente complementando as apostas da Marvel em conceder maior controle para diretores de estética e olhares com um apuro próprio, seja com Taika Waititi no desesperado, porém inegavelmente refrescante Thor: Ragnarok (idem, 2017) ou a sutileza voraz de Ryan Coogler no fenômeno Pantera Negra (Black Phanter, 2018). As convenções de todo e qualquer produto lapidado para satisfazer cada vontade e esperança do público maior estão lá? De cabo a rabo. Mas Reed, auxiliado por um script equilibrado de cinco roteiristas (Andrew Barrer, Gabriel Ferrari, Paul Rudd, Chris McKenna e Erik Sommers, estes dois últimos responsáveis pelo inacreditavelmente satisfatório Jumanji: Bem-Vindo à Selva [Jumanji: Welcome to the Jungle, 2017]), se alia com inteligência às convenções, supostas soluções fáceis e didatismos que são explanados com muito bom humor (o diálogo em que as consequências de Guerra Civil são explicadas para uma criança deve ter sido um dos artifícios mais espirituosos em todos estes anos de produções Marvel).

Tomando novamente Ragnarok como exemplo (estão vendo como é um filme com sua relevância, para o bem ou para o mal), Reed passa bem longe da grosseria estúpida e descabida promovida por Waititi, e faz de seu humor uma muleta para a narrativa que potencializa o que Homem-Formiga e a Vespa é no fundo, uma desventura romântica repleta de viradas, no melhor estilo de movimentos entre diálogos, ações e reações que se complementam em prol de um conjunto deveras bem explorado nessas tiradas que, em grande parte do tempo, acompanham o andar da carruagem com precisão, destoando-se pouquíssimas vezes da urgência das sequências ou até mesmo da funcionalidade dos efeitos sonoros, aqui ainda mais primordiais diante do quão gigante, em termos técnicos, a continuação se tornou.

E como Reed finalmente abraça a liberdade de ser mais empático com o material em suas mãos, Homem-Formiga e a Vespa é naturalmente um filme mais acelerado e visualmente atrativo, sem grandes malabarismos para impactar o público, mas dono de uma câmera mais entrosada com todas as jogadinhas, gags, trajes que crescem e encolhem (perspectivas engraçadíssimas surgem disso) e outras invencionices que nos arrancam risadas gostosas ao longo da projeção. O próprio Universo Quântico recebe uma atenção especial por parte da equipe de efeitos visuais e, quando é explorado, se torna o único elemento a justificar a existência do 3D.

Paul Rudd segue na sua jornada de quase referenciar o que Robert Downey Jr. deu início em Homem de Ferro (Iron Man, 2008), com uma performance gestual de timing cômico tão despreocupada e naturalista que fica claro o quão prazeroso deve ter sido esse encontro entre ator e personagem (e quando o roteiro lhe decide dar um pouquinho além disso numa cena de ‘possessão’, o resultado é sensacional). Evangeline Lilly cresce com facilidade em presença, confiança e equivalência ao protagonista masculino, apesar da impressão de que ainda lhe faltam momentos marcantes para se solidificar. Michael Douglas segura com um interesse genuíno essa desconstrução de sua persona marcante dos thrillers dos anos 80 e 90 como Wall Street - Poder e Cobiça (Wall Street, 1987), Instinto Selvagem (Basic Instinct, 1992) e Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987), adotando uma ironia que torna tão bem-vinda essa redescoberta do ator no cinema de hoje. Michael Peña, novamente sem esforço, fecha com chave-de-ouro o bem estar do elenco (o momento do soro da verdade dispensa comentários), uma vez que Hannah John-Kamen e Laurence Fishburne pouco conseguem o que fazer diante de papéis tão mal-aproveitados, por mais que tenham mais tempo de tela do que uma luxuosa Michelle Pfeiffer.

Estruturalmente, Homem-Formiga e a Vespa pode significar muito mais para as novas transições de tom da Marvel do que parece à princípio, em especial por essa aliança tão adequada entre o humor e a dramaturgia que se desenha com uma desenvoltura invejável pelas mãos de Peyton Reed, que cria conexões substanciais entre público e personagens ao mesmo tempo em que não nos deixa parar de rir. É de um dinamismo belissimamente calibrado, e quando o diretor repete o artifício da sincronia labial num único e ideal momento, temos a prova concreta do quanto Homem-Formiga e a Vespa é um exemplo de como dar certo.

PS: há duas cenas pós-créditos. A última, apesar de uma informação subentendida que têm sua relevância, não acrescenta tanto. Já a primeira, mesmo previsível, é um assombro só.

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