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Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

(Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008)
6,6
Média
660 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Cenas esporádicas relembram os ótimos momentos da trilogia original, mas no geral o filme é uma decepção.

6,5

Nada de Tony Stark, Bruce Wayne ou Speed Racer (Speed Racer, 2008). É inegável que o nome mais esperado nos cinemas em 2008 era o de Henry Jones Jr., mais conhecido como Indiana Jones. Há vinte e sete anos, quando estreou com o intocável Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981), Indy tornou-se o mais querido dos heróis cinematográficos, talvez exatamente por não parecer um. Seu lado humano e sua irreverência, bem como sua persona inconfundível, garantiram o sucesso de ótimo Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984) e do excelente Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989). Após anos de recusa, o diretor Steven Spielberg, o produtor George Lucas e o ator Harrison Ford finalmente cederam aos pedidos dos fãs e trouxeram de volta o dono do chicote mais conhecido do mundo.

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal passa-se em 1957 e, apesar da idade avançada, Indy continua em atividade, tanto em sua carreira de arqueólogo quanto na de professor. Após ser demitido de seu emprego na universidade, Jones é procurado pelo jovem Mutt Williams, que afirma conhecer um amigo do passado de Indy e que este corre perigo de vida. Assim, o arqueólogo e o garoto partem rumo ao Peru em busca de um artefato conhecido como “Caveira de Cristal”, objeto que causou a captura do amigo de Indy e que pode dar poderes inigualáveis a quem o tiver, fato que coloca uma agente russo no encalço dos mocinhos.

A boa notícia para os fãs como eu é que Indiana, o personagem, continua fascinante. A mesma personalidade que conquistou o mundo com charme e ironia foi resgatada com perfeição por Spielberg e Ford. A auto-confiança por vezes exagerada, as respostas sempre na ponta na língua e a impetuosidade (“Acho que ele não planeja com muita antecedência”, diz um personagem) estão todas ali. Mais do que isso, aos 65 anos, Harrison Ford demonstra boa forma e assume Indy com a mesma paixão de quase duas décadas atrás, carregando o filme nas costas com vigor e facilidade.

Da mesma forma, Spielberg demonstra consciência sobre o estado icônico que o personagem assumiu ao longo dos anos, e aborda-o com reverência e respeito à mitologia já criada. O primeiro momento de Indy na tela é um exemplo disso: primeiro, o espectador vê apenas o chapéu do herói, seguido de sua sombra e, claro, logo vem a mais que conhecida – e ainda contagiante – trilha sonora de John Williams. É impossível conter o sorriso com essa aparição de Indy: é como reencontrar um velho amigo que fez parte da nossa vida e sentíamos saudade..

Enquanto isso, Indy ganha um bom acréscimo no personagem de Mutt Williams. Lembrando bastante o próprio protagonista em sua juventude, Mutt também é nervoso e tem problemas com regras, além de servir como constante lembrança de que o professor não é mais um garoto (diversas boas piadas são realizadas neste sentido). A dinâmica entre Shia Labeouf e Harrison Ford é ótima, responsável por alguns dos bons momentos do filme, como a cena da perseguição de motos e a busca pelas catacumbas de Francisco Orellana. Se a intenção dos cineastas é estudar a recepção do público em relação ao personagem de Mutt para possíveis aventuras com ele, como fica claro na ótima cena final envolvendo o chapéu, o resultado é positivo.

Por outro lado, o restante dos personagens é mal desenvolvido pelo roteiro de David Koepp, aparecendo ou pela simples necessidade de preencher lacunas ou sem o menor impacto. A vilã Irina Spalko, por exemplo, jamais assume posição de verdadeira ameaça aos objetivos ou à própria vida de Indy. Mesmo interpretada por uma das melhores atrizes em atividade, Cate Blanchett, Spalko é uma figura caricata e entediante. O mesmo vale para Mac, parceiro de Indy, pessimamente construído pelo roteiro com uma inconstância irritante, e Oxley, mentor do herói, que entra e sai da insanidade sem a menor explicação.

Karen Allen, que volta a assumir o papel de Marion Ravenwood (figura feminina da primeira aventura), se sai um pouco melhor, relembrando a química que teve com Ford no início dos anos oitenta. Alguns dos momentos entre Marion e Indy, especialmente os iniciais, são ótimos, tanto graças aos diálogos quanto aos atores. Assim, é uma pena que Spielberg deixe de lado a relação divertida entre os personagens para fazer de Marion nada mais que o interesse amoroso do herói, limitando Karen Allen a caras de suspiro quando está por perto de Indiana.

A irregularidade do roteiro, porém, não é característica apenas do desenvolvimento dos personagens. Ao contrário do que acontecia nos filmes anteriores, o enredo de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal não somente não é interessante, como também é desenvolvido de forma caótica. A trama das caveiras de cristal é a pior de toda a série, superando, inclusive, a já claudicante das pedras de Sankara em Indiana Jones e o Templo da Perdição: jamais sabe-se o que as caveiras realmente são, o que podem fazer, como vieram parar aqui e porque existe a necessidade de devolvê-las. A história é tão absurda que Spielberg, Koepp e Lucas simplesmente não têm idéia de como encerrá-la, culminando em um final que chega perto da catástrofe.

Não, não é exagero. Os vinte minutos finais de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal são um equívoco completo, em um amontoado desnecessário de efeitos especiais que não geram tensão e não fazem qualquer sentido. Parece muito mais algo saído do mundo de O Retorno da Múmia (Mummy Returns, The, 2001) do que Indiana Jones. Digo mais: não fosse por este último trecho, a nova aventura seria um filme recomendável, com poucas falhas. Com o final que tem, Indiana Jones e o Reino da Caveira joga por terra qualquer boa vontade que o espectador ainda tinha com a obra.

Há, claro, cenas que fazem jus ao Indiana que todo o mundo aprendeu a amar. Por alguns momentos, Spielberg consegue recriar a magia e o charme das três primeiras aventuras, como é o caso, por exemplo, da divertida perseguição de motos, com o ótimo encerramento na biblioteca, e a cena passada na areia movediça, provavelmente a melhor de todo o filme. No entanto, há outros trechos que chegam a ser constrangedores, como Mutt encarnando Tarzã, formigas transformando-se em cheerleaders para fazer uma escadinha e, claro, o já citado final no templo.

Outra coisa que incomoda é o fato de, por vezes, Spielberg tratar os personagens como parte de um desenho animado. Algumas das melhores cenas de toda a série são forçadas e exageradas, como a perseguição na mina em Indiana Jones e o Templo da Perdição ou o clássico momento no caminhão em Caçadores da Arca Perdida. Estas seqüências, porém, funcionavam também graças às reações dos personagens, que se surpreendiam com os fatos. Em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, parecem ter certeza de que jamais se machucarão, o que resulta em momentos difíceis de engolir como o salto do jipe de Marion. Há um limite para o bom senso: uma cena como a dos trilhos em Indiana Jones e o Templo da Perdição é divertida, enquanto o momento George, O Rei da Floresta (George of the Jungle, 1997) de Mutt é apenas ridículo.

Mas nada exemplifica mais o que é Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal do que a maior seqüência de ação do filme, a perseguição em meio à selva. Tal qual um microcosmo da obra completa, a cena é uma inacreditável miscelânea de idéias boas (a bazuca) e más (as formigas), momentos de tensão (as quase quedas no penhasco) e outros equivocados (Mutt Tarzã), partes divertidas (o início da luta de espadas sobre os carros) e outras sem graça (as árvores nas partes íntimas de Mutt na luta), resultando em uma longa cena que tem seus momentos, mostra o que poderia ser, mas, no geral, decepciona.

E dói, como fã da série, afirmar isso. Por mais que o espectador entre com boa vontade no cinema, como eu entrei, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é, acima de tudo, isso: decepcionante. No geral, é um filme até divertido e que, vez ou outra, resgata a magia que Spielberg, Lucas e Ford um dia criaram. Mas estes momentos são ocasionais e os defeitos são difíceis de ignorar. Mais uma lição que o Cinema dá: certas coisas deveriam ser intocáveis. Indy continua um personagem fascinante. Pena que, desta vez, sua aventura não o é.

Comentários (1)

Samuel Nascimento | segunda-feira, 22 de Junho de 2015 - 00:08

Brilhante texto sobre o filme, concordo com cada palavra. Em alguns documentários Spielberg comenta que Lucas queria colocar espaço naves e outras coisas sem noção para este indiana Jones tentando imitar filmes de ETs dos anos 50 e por ai vai, ou seja, seria ainda mais sem noção. Mesmo Spielberg filtrando muita coisas ainda sobrou a mão de George Lucas buscando colocar efeitos e mais efeitos ao meu ver desnecessários como nesses 20 minutos do final que é citado no texto. Poderia ter sido um grande final para o Junior mas ficou mais como uma homenagem mesmo que capenga para a saga.

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