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Interestelar

(Interstellar, 2014)
7,8
Média
731 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A fundação sólida e a carcaça frágil do novo filme de Christopher Nolan.

4,0

Se um espectador entrasse às cegas em uma sessão de Interestelar sem saber qualquer coisa sobre o filme, não seria difícil adivinhar que se tratava do novo trabalho do cineasta Christopher Nolan. Seu nono longa-metragem é o mais calcado nos dois aspectos do gênero de ficção científica, e, não por acaso, suas marcas se mostram intensificadas em todos os âmbitos. Esse aprofundamento poderia facilmente ser visto como uma caricatura de sua obra, mas na verdade soa quase como uma aproximação do Nirvana. Esta deve ser a experiência espiritual suprema para Nolan, ou pelo menos o mais próximo que ele chegou desse ápice. A religião em questão é o controle, e as orações são os mais variados alcances da Ciência.

Desde os primeiros minutos essa obsessão fica clara, com os diálogos estapafúrdios entre Cooper (Matthew McConaughey) e sua filha Murphy (Mackenzie Foy) sobre a necessidade de tratar todo fenômeno por um viés científico. É o tipo de discrepância entre personagens que poderia fazer parte de seu relacionamento, ou problematizado de outra forma no roteiro, mas aqui não há conflitos que escapem da mais pura emoção. O cientificismo e o tecnicismo nunca são questionados, são apenas dados, fundamentos, ou pode-se até dizer mandamentos. A humanidade está em posse da informação e das fórmulas para compreender o Universo, portanto, as únicas dificuldades perante os fatos aparecem quando a teoria é insuficiente para prever resultados.

Mais representativo é o imbróglio da equação sem solução, que mostra não uma, mas duas fraquezas da humanidade (a incapacidade e a desesperança) perante a minuciosa e inflexível realidade. É interessante como, no segundo caso, o problema é de ordem emocional – derivado de um impasse intelectual, sim, mas aflitivo para as emoções de determinado personagem. Por outro lado, apesar de indícios do contrário, Christopher Nolan e o irmão/co-roteirista, Jonathan, não se limitam a retratar os sentimentos como deficiências de nossa espécie. E é nessa dualidade que residem as inconsistências mais problemáticas e os vislumbres mais instigantes do roteiro.

Por um lado, é de uma honestidade intelectual muito bem-vinda tratar dialeticamente essa faceta humana. No geral, a impressão passada é de caos e instabilidade. Grandes descobertas, erros desastrosos, justificativas frágeis, teorias brilhantes, altruísmo, carência: os Nolans listam diversos resultados para as diferentes idiossincrasias emotivas dos personagens. Em tese, essa perspectiva dual dá a base e o alcance necessários para a trama. É na prática que as ideias degringolam e se acidentam em tramas anêmicas. A questão não é apenas a insistência dos roteiristas em adotar arquétipos. O problema ainda vai além da aparente prerrogativa de usá-los para abordar uma situação extrema – embora, sim, essa licença poética mine a potência das experiências individuais e subjugue todas as construções à trama de tudo-ou-nada.

O mais incômodo é que cada reviravolta e subtrama salta como uma “batida” da fórmula de Blake Snyder. Mesmo que seja bem fundamentado no abrangente dualismo das emoções, o roteiro em boa parte cai na burocracia de entregar surpresas e momentos de tensão. O melhor exemplo é a figura do filho de Cooper, Tom (Casey Affleck), que adquire, no clímax do filme, determinada índole (bem idealizada, insisto) com o claro e inconfundível fim de fabricar urgência e colocar tudo em jogo. A situação do Dr. Mann (Matt Damon) é outra amostra de como as bases sólidas dos personagens são míseros trampolins para uma narrativa mais “empolgante” – em suma, mais afeita ao mínimo denominador comum dos arrasa-quarteirões. Assim como é o caso de Tom, temos relances de uma via crúcis profundamente mais interessante do que os desvios que ela causa na jornada principal.

E os irmãos Nolan falham em ranquear não só a trama em relação às histórias dos personagens, pois até mesmo uma das trajetórias centrais fica mal desenvolvida. O desfecho do filme tem um foco óbvio, e falha miseravelmente em concluir o arco da Dra. Brand (Anne Hathaway). Nada muito chocante, pois a verdade é que desde o início ela é maltratada de forma consistente pelo roteiro. Sua posição de cientista inicialmente a coloca como elo frágil da missão pela falta de preparo para o trabalho de campo. Em seguida, em mais uma intrigante ideia desperdiçada, ela se deixa guiar porsuas afeições e defende que o amor pode ser uma força digna da atenção da ciência. Ver desta forma a única exploradora feminina do time já dói na alma, mas a forma como Cooper encara essa tese enterra fundo sua moral. Para (não) completar, seu pseudo-final deixa uma nota amarga, solapando a força dos inegáveis resultados de suas decisões.

Com ideias tão constritas e conflituosas, parece até surpreendente que o diretor consiga imprimir um discurso tão inequívoco na forma de seu louvor ao controle. Uma rápida lembrança de seus filmes anteriores, porém, revela a constância dessa divindade em sua obra. Desde os heróis dominadores da trilogia O Cavaleiro das Trevas e de Amnésia até as figuras conflituosas de O Grande Truque, passando por nêmesis como um agente do caos, um terrorista que toma toda uma metrópole como refém e a própria natureza errática da mente humana, é fácil ver que a grande fobia do cineasta é a desordem. É nesta interpretação que Interestelar se torna seu longa mais extremo e radical: toda a premissa da ficção científica se resume à tentativa da humanidade de controlar seu próprio destino, e o impacto de qualquer descontrole é o mais catastrófico possível. (E a revelação final apenas elucida a mensagem.)

Uma surpresa de fato é que, no turbilhão emocional proposto pelos roteiristas, o elenco se sai bem. McConaughey e Hathaway, mesmo dependendo de material ingrato, se entregam de tal forma que conseguem ao menos causar algum impacto momentâneo. Já David Gyasi dá uma qualidade sutilmente excêntrica a Romilly, num contraste interessante com as emoções afloradas da dupla de protagonistas. As participações de Michael Caine e Ellen Burstyn também dialogam entre si, embora sejam mais memoráveis pelo que representam do que pelos papéis em si. Algo parecido pode ser dito de Jessica Chastain como a versão adulta de Murph, mas a expressividade da atriz a mantém relativamente envolvente.

Assim como os confins do Universo, as viagens intergalácticas e os planetas distantes aptos para abrigar vida se mostram de forma inesperada, esta apoteose do cinema de Christopher Nolan não é o que se poderia esperar da apoteose do cinema de Christopher Nolan. Até o compositor Hans Zimmer se retrai ao invés de seguir o caminho bombástico de seu trabalho anterior com o cineasta. Mais previsível era que as ambições de Nolan se sujeitassem a uma das convenções mais básicas que existem: a do cinema pipoca. Não há fundamento teórico ou conjunto de ideias que possa respirar no vácuo de uma narrativa tão pobre.

Comentários (89)

Matheus Duarte | quinta-feira, 04 de Dezembro de 2014 - 00:40

Vou até aumentar minha nota para o filme de 6 para 8.5 pra ficar próximo da média do IMDB.

Caio Henrique | quinta-feira, 04 de Dezembro de 2014 - 12:03

Ah sim, o IMDB. Agora sim eu a reconheço como uma obra prima da 7ª arte...

Ravel Macedo | quinta-feira, 04 de Dezembro de 2014 - 13:12

Por isso que o cineplayers é meu site de cinema preferido.😎

João Lucas Blum Kunzel | domingo, 14 de Dezembro de 2014 - 00:50

Pior que filme do Nolan, só os fanboys fanáticos dele.
Filme com potêncial, totalmente disperdiçado pela direção descuidada e amadora do Nolan.
Nota da crítica condizente.

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