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Críticas

Cineplayers

Morte sobre trilhos.

6,5
Tem-se lido por aí sobre o esgotamento de filmes sobre zumbis. Nos últimos anos, a safra foi gigantesca. Ora, o tema tem fãs em todo lugar. Em cem anos, as pessoas possivelmente estarão discutindo sobre o mesmo esgotamento e assistindo os mesmos filmes. 

Popularizado na década de 60, especialmente graças a George A. Romero com seu inabalável A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968), o tema rendeu centenas de projetos. No cinema, um dos registros mais antigos diz respeito ao ótimo Zumbi Branco (White Zombie, 1932), de Victor Halperin, estrelado pelo mestre do horror, Bela Lugosi. Praticamente todo país já filmou um filme sobre zumbis. A Coréia do Sul apareceu recentemente com este Invasão Zumbi – título nacional horroroso e preguiçoso, aliás. E o que este tem de novo? Quase nada. 

Há ação em altas doses. O filme inteiro – ou pelo menos 90% dele - acontece dentro de um trem em movimento, a caminho de Busan. Com isso, há uma limitação espacial que compromete algumas coisas, ao mesmo tempo em que contribui para outras, especialmente para a experiência sensorial do espectador. O pequeno espaço transmite a sensação de claustrofobia e o pânico originado pelos acontecimentos garante com que o espectador fique apreensivo o tempo inteiro, pois a ameaça é real e visível. Grotescamente visível! O roteiro tem a preocupação de criar diversas situações que exigirão soluções de seus vários personagens, criando antagonismo entre os sobreviventes – numa elaboração similar a de O Nevoeiro (The Mist, 2007). Os zumbis funcionam como um letal desastre natural enquanto os sobreviventes entram em conflito. 

São quase 120 minutos de tensão, tempo além da média para um filme com tal tema. Para sustentar todo este tempo, o diretor e roteirista Yeon Sang-ho inicia o filme com breves informações que servirão para ancorar as tramas, dando posteriormente explicações que não se aprofundam, mas que pontuam e acrescentam a lógica da narrativa. Tem um pai e filha como protagonistas e estes possuem uma história particular: o pai workaholic e a filha frustrada por não ter atenção suficiente, ainda mais no dia de seu aniversário, quando ganhou um presente que já tinha. Juntos seguem para o condenado trem a pedido da menina que queria encontrar a mãe. Lá encontrarão outros personagens que dividirão o medo e discutirão vários assuntos sobre sobrevivência coletiva e o que cada um oferece ao mundo. A indiferença é constantemente questionada e em certo instante posta à prova. 

Os zumbis, aqui não são asquerosos como de hábito. Fisicamente se retorcem demoniacamente. Também são ágeis, porém possuem algumas restrições que muito favorece os sobreviventes nos vagões. Pouca história e muita ação. Ação de qualidade! Ainda que geograficamente limitados, somos constantemente levados pelo olhar dos personagens que observam o lado de fora, as estações destruídas, os ataques nas cidades em chamas e o som regozijante dos mortos nos vagões vizinhos. O diretor é inteligente ao tentar nos levar para dentro do trem junto a seus personagens. A empatia é instantânea. Mas também somos obrigados a suportar algumas cafonices, como o horror de flashbacks emotivos em instantes com pretensões comoventes, rompendo completamente com o que o roteiro havia desenvolvido até ali. Note uma das cenas finais numa locomotiva, até a fotografia muda. Clichês se somam sem vergonha, mas não comprometem a tensão oriunda do caos nesse bom e agitadíssimo suspense.

Visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários (1)

Bernardo D.I. Brum | segunda-feira, 23 de Setembro de 2019 - 15:00

Mas isso, claro, se você equalizar consumo a consumismo. Um é uma fruição feita a partir de uma escolha consciente; o outro é terminado por um sufixo ligado a um sistema (seja de ideias ou até mesmo doenças). Então não tem problema nenhum você fazer uma obra para consumo que ataque um tipo de consumo compulsivo e acrítico, a não ser que a pessoa ache que a única alternativa um capitalismo "lei da selva" impassível de ser criticado seja se isolar em montanhas não-mapeadas. Se for assim pra que ver ou ouvir qualquer coisa que não sejam os 10 discos mais vendidos ou os 10 filmes de maior bilheteria?

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