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Críticas

Cineplayers

Não apenas mais um belo trabalho de Clint Eastwood, mas sobretudo um filme que tem muito a ver com o que o diretor vem fazendo nos últimos tempos.

8,0

A incrível seqüência de grandes filmes de Clint Eastwood nos últimos dez anos fez com que seu novo trabalho, Invictus, tenha sido aguardado com muita ansiedade, com a perspectiva de mais um belo trabalho do diretor por parte de seus admiradores.

Só que na vida, e no cinema, expectativas são terríveis. E normalmente cobram um preço. Conseqüentemente, o filme chega dividindo opiniões, entre os que visivelmente se encantaram com esse novo trabalho, e os que parecem não reconhecer nele a qualidade das obras mais recente de Clint Eastwood. Uma provável causa da decepção é que, ao contrário dos mais aclamados filmes do diretor nessa presente década (que nos habituaram a conviver com tragédias coletivas ou individuais), Invictus não termina entre mortos e feridos envoltos de uma catástrofe emocional, nem com figuras psicologicamente devastadas, fatores que eram uma das principais razões da platéia sair abalada da frente da tela e levar os filmes do diretor na cabeça na volta para casa. Invictus é diferente, se encerra de uma maneira mais branda e sossegada, se for comparado em relação aos desfechos de todos os filmes que Clint dirigiu entre Sobre Meninos e Lobos e Gran Torino.

É que Invictus não termina numa grande tragédia, mas começa a partir do resquício de uma. A História assombra a película do inicio ao fim. O passado de lutas e sacrifício de um povo e de Nelson Mandela (Morgan Freeman, em atuação notável) aparece mais como um fantasma que deve ser superado, um ponto de partida para a reconstrução de uma nova era. A sua força reside na forma como confere densidade à história recente, e que nos permite acessá-la em todo o seu peso, sobretudo pela maneira como Invictus circunda o tema. É menos um filme sobre o apartheid e mais um filme a partir dele, que não trata diretamente do assunto, mas que pensa sobre ele, que confronta os sentimentos do público sobre a temática. Um filme que existe depois da catástrofe. O estrago já aconteceu, cabe ao cineasta chegar depois e filmar os destroços e a reconstrução de uma nação em frangalhos, porém em processo de se reerguer o mais ligeiro possível.

Invictus se constitui de uma dialética: de um lado, um documento sobre o visível, sobre a África do Sul reconstruída que o filme capta de forma concreta, do outro o peso do não-vísivel, do preconceito e da intolerância que estão presentes na memória e nos rostos dos personagens marcados por dolorosas lembranças (e que atinge o seu ápice na visita do capitão da equipe de rúgbi François Pienaar (Matt Damon) à antiga prisão em que Mandela esteve encarcerado durante vinte e sete anos). O filme acompanha os meses seguintes à vitória de Mandela à presidência, e toda a sua convicção de que será capaz de unificar a população do país, realçando o seu papel de um grande líder hábil em evitar que se reforce o ciclo de medo que sempre existiu em sua pátria, esforçando-se ao máximo para romper esse circulo vicioso de ódio e rancor.

Invictus é também sobre esporte, com muitas das características que permeiam as películas que narram competições desportivas, mas do mesmo modo que Menina de Ouro também era sobre boxe, felizmente a temática não engole o próprio filme, que marca posição ao diferenciar a importância dos jogos, não fazendo com que eles se tornem o interesse principal do filme, mas sim um dispositivo elegantemente disfarçado nos detalhes da dramaturgia para alcançar a sua devida conotação política. O presidente Mandela busca utilizar a praticidade dos valores universais e imediatamente reconhecíveis do esporte como recurso para a união entre seu povo, impulsionando a desmotivada seleção de rugby da África para vencer o campeonato mundial prestes a ser sediado pelo próprio país.

Como de hábito em sua recente filmografia, Clint Eastwood abre Invictus com a logomarca original da Warner, pulsando com os riscos do tempo no preto e branco da película. Mais uma vez, um modo de pagar uma dívida com as lições do cinema clássico daquela época de ouro, do qual o cineasta filme após filme se apresenta como um dos principais herdeiros, não tanto no modo de filmar, mas na dedicação e talento certeiros na maneira de contar visualmente uma história. E ao final percebemos que, da mesma forma que as mais recentes e festejadas obras de Clint Eastwood, Invictus é sobre personagens dispostos a morrer ou se sacrificar por uma causa ou crença inabalável, e então reconhecemos que se trata de mais uma legítimo trabalho de Clint, além de essencialmente um filme sobre uma nação e seu novo líder, e que nos mostra a História acontecendo tão perto de nosso tempo.

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