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Críticas

Cineplayers

Diálogos afinadíssimos são o grande charme desse bom filme do diretor Howard Hawks.

7,5

Não se fazem mais filmes como antigamente. Tudo bem, este é um clichê utilizado por saudosistas da “época de ouro” de Hollywood para falar mal das produções atuais, mas o fato é que não deixa de ser verdade. Algumas características presentes no cinema dos anos trinta, quarenta e cinqüenta perderam-se no tempo, sendo praticamente impossível encontrá-las em filmes realizados nos dias de hoje.

Um destes pontos fortes de produções que marcaram época é a incessante troca de diálogos entre os personagens. Como se não houvesse tempo para reflexão ou pensar no que dizer, os atores emendavam uma fala após a outra, criando uma dinâmica deliciosa em cena que, se por vezes exalava artificialidade, transmitia um charme praticamente irresistível.

Uma das primeiras e maiores referências neste sentido é Jejum de Amor, comédia dirigida em 1940 por Howard Hawks e escrita por Charles Lederer a partir de uma peça de Ben Hecht e Charles MacArthur. O filme conta a história de Hildy Johnson, uma ex-repórter que volta ao jornal onde trabalhava para anunciar ao ex-marido e editor da publicação, Walter Burns, que está prestes a casar. Burns sente-se incomodado com a idéia e usa seu poder de manipulação e contatos para fazer com que Hildy desista do casamento e volte a trabalhar no jornal.

Esta é a trama utilizada por Hawks para a divertida comédia romântica que é Jejum de Amor. Mesmo com um casal de protagonistas em grande sintonia e um enredo apropriado para críticas ao mundo do jornalismo, o filme ganha destaque mesmo em função de seus diálogos. A velocidade com que as falas saem das bocas dos personagens é impressionante. Parece não haver um segundo de silêncio e chega a dar a impressão de que alguns diálogos se sobrepõem a outros.

E o melhor é que estes diálogos são, em sua grande maioria, afiadíssimos. Esta, aliás, é outra característica dos filmes da época também defendida de maneira justa por Jejum de Amor. Seja nas trocas de farpas entre os protagonistas (“Você é maravilhoso, mas de um modo odioso”), nas críticas ao jornalismo (“Eles são inumanos”, diz uma personagem, ao que outra responde: “É claro, são jornalistas”) e até nas improvisações (quando alguém pergunta a Grant com quem o personagem de Bellamy se parece, ele responde: “Com aquele ator, Bellamy”), o texto de Lederer é inspirado e repleto de grandes sacadas.

Como resultado, o filme prende a atenção do espectador desde o início, uma vez que a troca de palavras não pára e sempre consegue manter a qualidade. Muito disso deve-se à excelente química entre Cary Grant e Rosalind Russell. Charmosamente canalha, Grant constrói um personagem repleto de defeitos, mas do qual é impossível não gostar, enquanto Russell diverte-se no papel da inteligente Hildy. Os momentos nos quais os dois dividem a tela são os melhores de Jejum de Amor.

Por essa razão, a obra acaba perdendo boa parte de seu apelo nos momentos intermediários. É uma pena que Hawks dê tanto espaço para a trama envolvendo o condenado Earl Williams ao invés de explorar o relacionamento entre Walter Burns e Hildy Johnson. Claro que este enredo é fundamental à reaproximação dos dois e dá ensejo às críticas ao jornalismo - ainda que estas sejam mais tímidas e comportadas do que poderiam ser -, mas poderia ser reduzido, deixando a história de amor como ponto principal.

Esta opção de Hawks, inclusive, prejudica a percepção da platéia de que os dois protagonistas possam formar um casal. Jejum de Amor é uma comédia, tudo bem, mas mesmo uma comédia com estes objetivos precisa convencer o espectador daquilo que o casal sente um pelo outro. Isto não acontece, pois a reaproximação de Burns e Hildy é feita aos pulos, sem o crescimento gradual.

Graças a este problema narrativo, Jejum de Amor está longe dos melhores trabalhos de Howard Hawks. Ainda assim, é uma comédia romântica divertidíssima e com diversas qualidades, capaz de despertar risadas e saciar o desejo daquele espectador que sente falta de diálogos inteligentes. Mais do que tudo, Jejum de Amor possui características peculiares que o colocam como representante digno de uma época perdida no cinema.

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