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Críticas

Cineplayers

A impressionante estreia de Greta Gerwig na direção.

7,0
Antes de sua história, talvez o que mais tenha chamado a atenção do público para Lady Bird: É Hora de Voar foi o fato de ter alcançado 100% de avaliações positivas no site Rotten Tomatoes, feito que aparentemente havia sido conquistado apenas por Toy Story 2 (só que com menos avaliações catalogadas, vale observar). Embora a nota do filme não seja mais 100%, ele continua agradando a crítica, tendo inclusive abocanhado cinco indicações ao Oscar, todas por prêmios principais (filme, direção, roteiro, atriz e atriz coadjuvante).
Uma aclamação tão generalizada não era de maneira alguma esperada pelo primeiro trabalho atrás das câmeras de Greta Gerwig, atriz californiana reconhecida por suas participações em projetos de pequeno calibre, especialmente com Joe Swanberg e Noah Baumbach. Greta surgiu para o cinema no movimento mumblecore, caracterizado por atuações naturalistas e improvisadas, em histórias que retratavam a vida de pessoas comuns durante seus vinte e poucos anos. Em 2010, conquistou papel no elogiado Greenberg, contracenando com Ben Stiller. Greta e o diretor, Baumbach, iniciariam um ano mais tarde um relacionamento, cujo maior fruto viria em 2012 com Frances Ha, um filme inteiramente dedicado à presença & persona de Gerwig, e precisamente adequado para a época (os paralelos entre o filme e o seriado da HBO Girls, do mesmo ano, são  inconfundíveis).

A protagonista de Frances Ha é uma garota californiana lidando com a dura realidade que é sobreviver na cidade de Nova York. Lady Bird, por outro lado, talvez seja a história dessa mesma garota, dez anos antes. Christine “Lady Bird” McPherson está no último ano do colégio em uma escola católica, tem inclinações artísticas e deseja toda a cultura e sofisticação de grandes centros urbanos, algo que sua cidade natal, a pacata Sacramento, é incapaz de oferecer. Ela é ainda insegura em relação a sua aparência, a suas habilidades, a sua condição social, e precisa lidar com tudo isso enquanto enfrenta marcos naturais do final da adolescência – sexo, amizade, faculdade e etc.

Lady Bird chama atenção por ser pouco movido pelo plot, que é propositalmente disperso e evasivo. A ideia é seguir o último ano da personagem-título, buscando tocar na complexidade de emoções que a adolescente experiencia pelo período, esquivando-se de posicionar-se contra ou a favor de quaisquer personagens. O filme se esquiva também de colocar adultos como opressores e/ou vozes de infinita sabedoria, evitando o lugar comum em filmes coming of age. Embora sejam tratados como coadjuvantes, a todos os personagens adultos é dada a oportunidade de tornarem-se pouco mais complexos, investidos cada qual dos seus medos e vontades.

A ideia de não contrapor personagens adolescentes a personagens adultos é especialmente importante porque o filme não trata do conflito entre gerações, mas do conflito do indivíduo contra ele mesmo – e as circunstâncias que os cercam. Não é sobre a rebeldia de uma garota adolescente cheia de problemas inventados, mas um olhar real sobre aquilo que nos limita e nos aliena do resto das pessoas. É contextualizado, mas ao mesmo tempo universal.

Por isso o coração e a alma de Lady Bird está na relação de Christine com sua mãe. É tempestuosa e violenta, repleta de agressões verbais. Porém, as atuações de Ronan (Lady Bird) e Metcalf (Marion) são tão poderosas que a presença do amor entre mãe e filha, embora invisível, esteja indiscutivelmente presente. O relacionamento entre ambas é profundamente marcado pelo fracasso – da mãe, em ter conseguido conquistar tão pouco na vida, em termos de metas profissionais, e da filha, em se enxergar tão limitada e pouco apta para enfrentar o mundo como uma pessoa adulta. O fracasso gera temor, o temor gera o embate e o embate gera ressentimento. E ao redor disso, todas as outras ações e micro-ações retratadas ao longo do filme que se adicionam umas às outras, tornando a convivência entre as duas cada vez mais instável e distante.

Lady Bird é acima de tudo isso um intricado jogo de reflexos e projeções camuflados em um roteiro verborrágico. É uma sucessão de enxergar-se de maneiras diversas, no outro, em você ou em lugar nenhum. É projetar sua consciência em cima do outro, obrigando-o a lidar com frustrações e desejos que dizem respeito a você. E é viver no meio de tudo isso, buscando decifrar o código que esconde sua própria individualidade. Ao final do filme, Christine (recusando a alcunha autoproclamada de Lady Bird), agora já morando em Nova York, telefona para a mãe. Não conseguindo contato, resolve deixar uma mensagem de voz, na qual evoca lugares e sensações da cidade de Sacramento, num ato claro de reconciliação. Aqui, Gerwig investe a ação da personagem de símbolo mais uma vez. Não se trata apenas da reconciliação da garota com sua cidade natal, mas da filha com a mãe e, ainda, da filha com ela mesma.

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