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Críticas

Cineplayers

A formação do extinto materno e várias questões éticas projetadas sob o pano de fundo do sistema carcerário argentino.

8,0

Desde aquelas primeiras e ensangüentadas cenas de Leonera e a respectiva ida de Julia (Martina Gusman) à cadeia não é possível prever o que se transformará no gancho para a virada da então apática personagem. É só quando passa pela revista antes de ser encarcerada de vez que descobrimos a gravidez da protagonista. E se em Família Rodante Pablo Trapero trata da sufocante convivência de uma numerosa família em uma viagem de trailer, aqui ele investiga outra possibilidade de constituição e existência familiar: mãe e filho aprendendo a se relacionar com o mundo através das grades da prisão. Vale ressaltar que o drama da maternidade/paternidade aparece já sutilmente representado numa das primeiras cenas do filme, quando a personagem passa por um interrogatório onde tudo que lhe perguntam é seu nome completo e o nome de seus pais.

O arco de emoções pelos quais passa Julia é ancorado pela presença de Marta (Laura García), detenta, mãe, e vizinha de cela que com sua experiência auxiliará a transição da protagonista. Inicialmente recorrendo à Marta como a uma mãe, logo Julia aprenderá com ela o comportamento necessário para a sobrevivência no cárcere, o da leoa da qual trata o título do filme. E é assim também que esse relacionamento logo vai convergir para uma forte e carinhosa aliança entre as duas mulheres.

Culpada por um crime que não lembra ter cometido, há mais coisas ainda com as quais Julia precisará lidar como a presença de Ramiro (Rodrigo Santoro) em sua vida. Amante do namorado assassinado, Ramiro aparece na trama como um grande e inconveniente nó do qual a personagem de Gusman não consegue se desvencilhar. Eles convivem através de uma confusão de sentimentos, Julia nutrindo a raiva por acreditar que ele seja o provável assassino de Nahuel, o namorado, além de conviver com a angustiante dúvida de que ele possa ser o pai do filho que espera. E é sob esse conflito que Santoro construirá a sua participação no filme, e apesar das poucas cenas consegue expressar a ambigüidade de um personagem dividido entre defender-se ao mesmo tempo em que precisará acusar a mãe de seu filho de um crime que a manterá presa por muito tempo.

Martina Gusman brilha sozinha numa história que atravessa o tempo e apanha sua personagem em uma série de transformações, visualmente marcadas pelos diversos cortes/ colorações de cabelo que acompanham o amadurecimento da mãe-loba, quando ela finalmente resolve que ninguém será capaz de separá-la de Tomaz, seu filho.

Transformando a jornada de uma mulher em busca de absolvição pela luta de uma mãe pelo direito de estar com seu filho, a história narra as particularidades do sistema penal argentino e a lei que garante às mães detentas a convivência com filhos nascidos na prisão até que estes completem 4 anos de idade, retratando também as várias formas de reagir a isto, por vezes culminando em tragédias como a da mãe que prefere matar os próprios filhos a vê-los partir.

Falando com muita intimidade de dentro de um ambiente marcado pela presença feminina, Trapero faz a trama girar em torno do tema maternidade, pontuando com alguma distância temas como a mudança do corpo feminino durante a gestação, o desejo reprimido entre as detentas e os vários relacionamentos homossexuais que se estabelecem, sendo todos estes aspectos pertinentes a existência feminina na prisão e os arranjos construídos para a vivência num local como esse.

Indicado para representar a Argentina na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, Leonera tem sua força na interpretação de Martina Gusman que pende ora para o choro contido, ora para a algazarra desenfreada, tudo em nome do amor de sua personagem pelo filho Tomaz, único elo capaz de mantê-la viva e em paz com a realidade.

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