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Críticas

Cineplayers

Perto deste engessado cinema.

5,5
Thomas Hardy não é adaptado de hoje para o cinema. O novelista e poeta inglês conhecido como o “último dos grandes vitorianos” tornou-se famoso ao desmistificar a sociedade inglesa retratando os costumes aristocratas opressores e descrever o desejo sexual e vontade de emancipação de seus protagonistas. Nisso, já se contam três adaptações de A Árvore de Greenwood, uma para a BBC; quatro para Tess dos Ubervilles, uma delas dirigida por Roman Polanski; duas para O Prefeito de Casterbridge; e esta é a quarta adaptação para Longe Deste Insesato Mundo, obra que já havia sido adaptada em 1967 por John Schlesinger, conceituado diretor egresso da Nova Onda Britânica, com um elenco de peso do cinema inglês à época.

E novamente se convoca nomes de peso no elenco sob a direção de Thomas Vinterberg, que há exatos 20 anos, em 1995, abalava as estruturas do cinema contemporâneo com  o Dogma 95, criando uma uma geração de filmes que quebravam regras tradicionais do cinema - excluindo cenários, música extra diegética, iluminação, filtros, efeitos especiais, filmes de época, entre outras coisas que deram origem a filmes polêmicos e controversos, como Os Idiotas (Idioterne, 1998), de Lars Von Trier, e Festa de Família (Festen, 1998), do próprio Vinterberg. E sim, irônico perceber que, ainda que tenha abandonado as regras estritas do Dogma há muito tempo, Longe Deste Insesato Mundo (Far from the Madding Crowd, 2015) é seu primeiro trabalho que pode ser considerado “inofensivo”, por assim dizer, pouco se assemelhando ao espírito de enfant terrible que ainda fazia questão de ainda personificar em filmes recentes como o provocativo A Caça (Jagten, 2012), olhar sobre comunidades, hipocrisia e revanchismo que provocou barulho à época de seu lançamento.

Longe Deste Insesato Mundo conta a história de Bathsheba Everdene, uma mulher independente e voluntariosa, que passa a investir no ramo da agricultura após herdar a fazenda de um falecido tio, e seu envolvimento romântico com três homens, o pastor de ovelhas Gabriel Oak, ambicioso e dedicado; o obcecado e já maduro nobre William Boldwood, proprietário da fazenda vizinha; e o explosivo e sedutor Sargento Frank Troy. Bathsheba tem de conviver com o machismo quase ou nada discreto da época, com empregados homens que questionam sua autoridade, clientes que ignoram ou ofertam pouco e muitas figuras da burguesia e aristocracia à época que a julgam por ser uma mulher solteira que comanda o próprio negócio e recusa os convites de casamento que aparecem. Construção básica do melodrama: a protagonista perdida entre o desejo e anseios pessoais e sendo reprimida pelas pressões sociais.

Como é comum à construção melodramática, Vinterberg emprega frequentemente uma composição de quadro que faça a protagonista estar sempre em planos próximos e a perspectiva force que personagens estejam em quadros mais distantes e que sempre estejam observando a figura central. O uso constante de cores fortes e a utilização ostensiva de música como ferramentas de criar afeição, representar estados de espírito e prenunciar certos acontecimentos já declarados no caráter de seus personagens: de vermelho, Frank Troy está sempre apaixonado e em chamas; Boldwood sempre de negro, uma alma solitária, melancólica e que remói constantemente os mesmos sentimentos de paixão e rejeição.

O filme de Schlesinger em 1967 levantava uma questão importante para aquela geração, relativa a uma geração que experimentava então a revolução de costumes e a quebra de velhos tabus conservadores. Na época do amor livre, o filme explorava a ideia da emancipação de um gênero em uma época onde a clausura era mais forte do que nunca. Em 2015, quando a discussão e o ativismo entraram novamente em voga há alguns anos, o filme ainda tem o seu lugar em matéria de representatividade nos temas que aborda, mas é uma prática de uma fórmula repetida à exaustão; Longe Deste Insensato Mundo não é um refresco para olhos cansados de espectadores injetados quase todo ano de filmes que repetem uma chave de fácil acesso: o filme de época, os costumes estranhos a nós, o sofrimento espetacular, regado de música alta, diálogos cruéis, erotismo e violência gráfica moderados em seu desenvolvimento e clímax. Nem o Sargento Troy exibindo seus dotes de espadachim para a Bathsheba de Carey Mulligan esbanja qualquer vitalidade que o filme com Julie Christie e Terence Stamp já não demonstrasse: uma dança de cortes em um claro simbolismo de tensão sexual.

No final das contas, a obra de Vinterberg não provoca nada em matéria de forma, entrega tudo o que nós esperamos e não faz muito esforço para sair do lugar comum; uma obra rapidamente compreendida e digerida com poucos atrativos. Para o seu próprio mal, um filme correto.

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