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Críticas

Cineplayers

Mesmo com alguns problemas, um filme original, com boas ideias e realizado com bastante competência.

7,5

Não é de hoje que o conceito de viagem no tempo fascina escritores e cineastas. Desde H. G. Wells e seu A Máquina do Tempo, passando por La Jetée (idem, 1962) e De Volta para o Futuro (Back to the Future, 1986) e chegando até bobagens como A Ressaca (Hot Tub Time Machine, 2010), os paradoxos do tema serviram como um prato cheio para mentes criativas, encontrando também o seu apelo junto ao público. Ainda que, nos últimos anos, este subgênero tenha sofrido com a preguiça de roteiristas satisfeitos em apenas reciclar ideias, ocasionalmente ainda surgem filmes que buscam extrair algo de original diante das inúmeras possibilidades que o conceito oferece. Looper – Assassinos do Futuro (Looper, 2012) é um desses filmes.

Escrito e dirigido por Rian Johnson (um cineasta que exibiu boas ideias e talento mesmo em seus irregulares trabalhos anteriores), Looper parte de uma boa premissa: em um futuro no qual a viagem no tempo é possível, criminosos enviam suas vítimas para serem eliminadas no passado, onde seus corpos não serão encontrados. É uma ideia interessantíssima, que ganha um conflito dramático à altura quando um dos assassinos precisa matar a si próprio, porém 30 anos mais velho. Está exposta aí a base de uma ótima história de ficção-científica, que, felizmente, é desenvolvida de forma inteligente por Johnson, explorando as possibilidades da trama para um resultado final bastante competente.

O primeiro passo do cineasta para alcançar seu objetivo está na construção de seu mundo futurista. O amanhã visto em Looper está mais para aquele exposto em Filhos da Esperança (Children of Men, 2006) do que para o de Minority Report – A Nova Lei (Minority Report, 2002): no lugar de carros voadores e tecnologia de ponta, o que se vê é uma sociedade dominada pela miséria e quase sem lei. Este pano de fundo para a história, infelizmente, não chega a ser tão bem desenvolvido como no impressionante filme de Alfono Cuarón, mas as cenas iniciais que ambientam a trama nesse mundo são eficazes para estabelecer o contraponto entre as pessoas da época, vivendo em dificuldade, e os Loopers, que passam seus dias de forma pródiga devido aos lucros de sua atividade.

Da mesma forma, Rian Johnson também acerta ao explicar de forma breve a premissa da história logo nos minutos iniciais, sem entrar em desnecessários detalhes técnicos sobre as viagens no tempo, para logo em seguida fazer a trama andar. Assim, Looper tem um primeiro ato bastante ágil e promissor, garantindo que a plateia fique interessada naquilo que irá acontecer. Este fato, por sinal, é fundamental para manter o espectador fisgado no desenrolar da história, uma vez que isso seria difícil através da identificação básica com o protagonista: Joe, em essência, não é um cara bom, mas um assassino frio, ganancioso, que não hesita em entregar seu melhor amigo para manter a sua fortuna.

Looper ganha, portante, desde seu primeiro ato, uma bem-vinda complexidade moral, especialmente por ser algo raro no atual cinema hollywoodiano. O protagonista está mais para anti-herói do que para mocinho, assim como a sua versão mais velha, que, em determinado momento, toma uma atitude repudiável diante de uma criança, mesmo sem saber se ela é inocente ou não. Ainda assim, apesar de ser um dos antagonistas da trama, o personagem de Bruce Willis jamais é retratado como um simples vilão, tendo as motivações para suas atitudes bem apresentadas pelo roteiro. Já o jovem Joe, por outro lado, possui um arco dramático mais definido: se no início da história ele não passa de um matador egoísta, ao final, após seu encontro com a fazendeira e o filho, torna-se um homem capaz de fazer sacrifícios por um bem maior – e a jornada do personagem é sempre convincente, méritos tanto do texto quando do trabalho de Joseph Gordon-Levitt, que consegue transmitir humanidade em Joe até mesmo em seus momentos mais condenáveis (vale dizer ainda que as próteses no rosto do ator incomodam menos do que o sugerido pelo trailer).

Mas o roteiro não mostra seus méritos apenas na construção dos personagens. Em uma trama com estrutura difícil, Johnson consegue amarrar os principais pontos de forma inteligente (ainda que falhe aqui e ali, como explicarei mais adiante), exigindo atenção da plateia para acompanhar tudo, porém jamais fazendo com que a história se torne confusa. Da mesma forma, Looper mostra ter uma narrativa muito bem pensada ao inserir diversos detalhes aparentemente insignificantes, mas que serão importantes mais adiante: o fato de a arma dos assassinos não ter muito alcance, por exemplo, será fundamental em uma cena-chave do filme, assim como a questão da telecinese, apresentada inicialmente de forma quase aleatória. Como se não bastasse, Johnson ainda preenche sua obra com boas pequenas ideias, como as queimaduras para se comunicar com as versões do futuro, que rende um excelente momento envolvendo o “velho” Paul Dano.
 
É uma pena, no entanto, que o roteiro não busque trabalhar mais a fundo as questões maiores que permeiam a história, como a valor das memórias ou a consequência de nossas escolhas, optando por focar simplesmente no lado dos acontecimentos da trama. Da mesma forma, não é preciso quebrar a cabeça para ver que Looper ainda traz alguns furos no roteiro: se os criminosos mandam os corpos para o passado por ser difícil se livrar deles no futuro, como o tal do Rainmaker realiza seus massacres e mata uma pessoa próxima ao personagem de Bruce Willis sem problemas? Aliás, como a gangue de Jeff Daniels (ótimo) sabe que o looper não eliminou seu alvo, já que o assassino é o único que vê a vítima desde o momento em que ela volta no tempo até seu corpo desaparecer?

Além disso, o filme parece deixar uma lacuna ao não explicar de que forma funciona o processo realizado pelos loopers. Por exemplo, como eles são avisados sobre quando e onde deverão realizar os assassinatos? E por que não explorar um pouco mais a o antagonismo entre o jovem e o velho Joe, especialmente o dilema de que o veterano não pode matar sua versão mais nova? Sim, talvez seja injusto avaliar um filme por algo que ele deixa de fazer, mas são questões que mostram como Looper, mesmo desenvolvido de forma competente, poderia ter sido ainda melhor.

Rian Johnson, ao menos, mostra não se render às fórmulas predominantes do cinema comercial norte-americano: além da já citada ambiguidade moral dos protagonistas, o cineasta não tem o menor problema em exibir sangue de forma a ressaltar a violência de suas cenas, fugindo do tom asséptico que normalmente se vê. Por outro lado, o diretor se sai de forma irregular nas escolhas para as cenas mais movimentadas: se a escolha pelo slow motion em certo momento na casa da fazenda é perfeito, o mesmo não pode ser dito do instante em que utiliza recurso semelhante para acompanhar Joe caindo de um prédio, em um plano gratuito, que soa mais como exercício de estilo que uma opção com algum propósito dramático.

Como se não bastasse, Johnson também se demonstra claudicante na condução de uma narrativa que viaja por diferentes gêneros. Looper é, ao mesmo tempo, um filme de ficção-científica, de suspense, de ação, de romance e até de drama, modificando o seu tom no decorrer da trama. Boa parte dessas transições ocorrem de forma orgânica, mas ocasionalmente a produção sofre com problemas de ritmo, especialmente em seu segundo ato, como no momento em que a personagem de Emily Blunt compartilha histórias de seu passado.

Contando ainda com uma ótima interpretação do garotinho Pierce Gagnon e um final que fecha de forma quase perfeita a narrativa, Looper – Assassinos do Futuro pode trazer alguns problemas que o impedem de se tornar algo maior, mas não deixa de ser um filme bem realizado, calcado em boas ideias e com certa originalidade. É uma prova de que Rian Johnson vem evoluindo como cineasta e que o seu próximo trabalho tem tudo para chamar a atenção. Enquanto não existe máquina do tempo, resta esperar.

Comentários (15)

Alexandre Marcello de Figueiredo | quarta-feira, 05 de Dezembro de 2012 - 19:42

Um filme regular que vale a pena assistir. Fiquei surpreendido com final do Joe (Joseph Gordon-Levitt).

Bruno Viani Couto | sexta-feira, 24 de Maio de 2013 - 23:54

Ótima crítica. Concordo com o que você disse, como haver vários pontos que mereciam ser melhor explorados e furos de roteiro. Na questão furo, eu achei gritante o furo que no futuro (2072) aparece morrendo sem o menor problema... Cazzo, não era essa a pedra que dava base à introdução e sustentação do roteiro todo?! a de que no futuro era dificil se desfazer dos corpos... mas deixando isso de lado queria completar com outra coisa...
É muito dificil fazer bons roteiros quando se trabalha com paradoxos. Esse filme ficou bom nesse quesito, soube trabalhar bem, mas não chegou a ser excepcional.

Carlos Henrique de Almeida Nunes | terça-feira, 22 de Outubro de 2013 - 20:50

É um filme daqueles que você fica pensando dias, depois que assiste. Acho difícil que um filme, cuja temática seja viagens no tempo, explique tudo tin-tin por tin-tin. O paradoxo sempre existirá. Explicando um tin outro tin surgirá. Bruce Willis está ótimo como sempre (não se importa, definitivamente, em fazer papel de coadjuvante, desde o Sexto Sentido). Joseph Gordon está muito bem, mas o garotinho consegue passar um medo ao espectador de sufocar. Superecomendo!

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 29 de Novembro de 2013 - 13:52

Joseph Gordon-Levitt vem se firmando no cinema de ação escolhendo bons títulos e bons roteiros, como esse, A Origem e Batman - O Cavaleiro Das Trevas Ressurge. Willis é sempre ótimo e forte na tela. Grande filme.

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