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Críticas

Cineplayers

A evolução de Scarlett, a ascensão de Besson e o tempo: todos os encantos de Lucy.

10,0

Se alguém fosse fazer um estudo no futuro sobre 2014, provavelmente verão marcado o nome de Scarlett Johansson impresso em alguma página dele na categoria entretenimento. Repleta de belíssimos títulos no currículo (Ponto Final - Match Point, Ghost World, O Homem que não Estava Lá), há algum tempo a mocinha americana teria sido olhada como símbolo sexual por algum produtor - a participação no filme de Woody Allen deve ter sido decisiva para tal - e desde então suas curvas tiveram maior atenção nos roteiros que lê, e a qualidade vinha caindo vertiginosamente no resultado final. Tanto no nível produção quanto no que compete apenas e ela. Mas eis que nessa temporada a moça não só emergiu do limbo como também conseguiu criar um momento de convergência muito especial entre os projetos, que fazem a situação toda tanto fascinante quanto deliciosa.

Se em Sob a Pele vemos Scarlett na busca pela humanização e pelo entendimento da sociedade nos "dias de hoje", em Ela sua personagem adquire todo o conhecimento em segundos, com o estalar de um dedo, e quando a mesma humanização chega pra essa máquina, não é estranho que ela se torne uma decepção, como todo humano está passível de ser. Humanidade, é tudo que elas querem ser... e Lucy é. Mas aí é a humanidade que foge dela, fazendo-a cada vez menos humana, ou mais super humana; de tão super, desprovida de qualquer traço humano cada vez mais. Ironicamente.

É a evolução, enfim, da revelação de mais de uma década atrás. Julgada objeto, hoje mulher de plenos poderes na indústria, com dois absolutos sucessos de críticas e dois absolutos sucessos de público (e também de crítica; não esqueçam do segundo Capitão América), se metamorfoseia tal suas personagens e entrega aqui mais uma grande interpretação, a mulher vibrante e cheia de vida que ao esbarrar numa espécie de horror, ganha armadura mas perde o brilho até deixar de ser mulher ou super mulher, e passar ao estágio seguinte de algo jamais alcançado ou desejado. Usa a arma que quase virou contra ela (o sex appeal) para se valer dele em projetos que o tomam, engolem e regurgitam algo de fato substancioso e cada vez mais impressionante.

Sendo bem direto, eu nunca curti Luc Besson. Nikita e O Profissional seriam os melhores momentos de sua filmografia mas não incensaria ninguém cujos melhores filmes fossem esses, e que além das muitas bobagens no currículo, de bastante tempo pra cá estivesse fazendo mais filmes ruins que bobos. Como produtor, o cara não pode reclamar; redescobriu Liam Neeson como herói de ação e criou uma cinessérie escapista repleta de fãs. Sua função no entanto sempre foi entreter, sem compromisso ou assinatura que o marcasse particularmente. E quando já não se esperava nada dele, eis a reinvenção.

Adepto de linguagem pop contemporânea desde sempre, Besson descobriu Mila Jovovich como 'action star', e desde cedo atrelou seu cinema ao crescimento da mulher no poder, dando involuntariamente um caráter feminista à sua voz de realizador. Joana D'Arc, Nikita, Leeloo, Angel-A, foram mulheres que sobrepuseram as fragilidades particulares de suas personas, ultrapassaram limites e renasceram com força. A essas mulheres se junta Lucy.

Se todos nós já estamos preparados para a carga de adrenalina que o cinema de Besson pode produzir, o que não imaginávamos seria o viés filosófico-eletrônico-pop-moderno na qual ele poderia se debruçar, e não necessariamente num projeto com estofo e cheio de algo a dizer. Mas que ele enfim encontrasse vazão ao seu olhar clipado sobre o cinema, e mais, que tudo isso junto desse mais que samba, desse em algo verdadeiramente substancial, emocional e artístico de fato, uma surpresa acachapante, enfim, um acerto gigante.

Observando o que se ingere de blockbuster no mundo, e o que é produzido por Hollywood em particular (o grosso da produção), fica claro que não é maioria o binômio que une cérebro e acelerador. Contra tudo e contra todos, o francês dá uma guinada de 180 graus na carreira com um produto que não apenas quer te sacudir na cadeira, como também provocar uma discussão, mesmo que seja de botequim (sim, mas algo contra?). Algo cheio de ritmo, som, fúria, mas também sutileza, subtexto (a mulher, atacada na primeira cena, ainda frágil como um cervo, mas vislumbrando a onça que já a veste), camadas e mais camadas de reflexão, de carreiras que encaminhavam para o grande nada e ressurgem na alegoria pop sobre o valor cada vez maior do inimigo que já não é mais só meu, mas do mundo inteiro: o tempo, que se faz tão onipotente e necessário até nos consumir de vez.

Comentários (27)

Patrick Corrêa | sábado, 11 de Outubro de 2014 - 22:20

Ótimo filme! Surpresa boa ver uma ficção contemporânea com estilo e conteúdo.
Gostei da crítica também.

Wellington Conegundes da Silva | sábado, 13 de Dezembro de 2014 - 09:53

Não concordo com sua crítica a Beson sebre os demais filmes. Na sua filmografia há muitos elementos que desenbocaram em Lucy. Talvez haja um ranço que por algum motivo se abriu para esse filme. Mas muitas questões em Lucy são até melhor desenvolvidas em O Profissional e Nikkita, até de uma forma mais atraente, como esse mote de chocar o brutal com o lírico, sempre foi uma marca em suas narrativas, por mais desastrosas que fossem, ele sempre teve esse discurso. Lucy é um bom filme, porém está longe de ser a maior obra dele.

Samuel Nascimento | domingo, 08 de Março de 2015 - 19:22

Gostei do filme. Agora o filme merecia mais 1 hora pois a premissa é muito boa.

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