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Críticas

Cineplayers

Além da história sofrida de Lula, chama a atenção o riquíssimo trabalho nos aspectos técnicos.

8,0

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que Lula - O Filho do Brasil não apela para o lado político. Nem mesmo a fundação do PT é abordada e cabe ao trabalho de Lula quando sindicalista os únicos momentos em que a política se faz presente. E nada mais compreensível já que essa é a história real do cinebiografado. Se a politicagem de alguma forma se faz presente no filme, isso está nos bastidores, por meio, por exemplo, dos investidores – muitas construtoras fizeram doações milionárias para a feitura do mesmo -, mas isso não atrapalha em nada a trama e, por isso, é um assunto que não cabe na análise da obra pura e simplesmente. Se julgado pelos seus aspectos cinematográficos, o filme é de grande qualidade, tendo, inclusive, momentos em que beira a perfeição.

O longa-metragem que conta a história do presidente é uma adaptação do livro A História de Lula – O Filho do Brasil, escrito por Denise Paraná, que é, também, uma das responsáveis pelo desenvolvimento do roteiro ao lado de Daniel Tendler e Fernando Bonassi. O corte temporal da narrativa começa com o nascimento de Lula, no miserável sertão nordestino, e acompanha sua vida até a morte de sua mãe, Dona Lindu (Glória Pires), no início dos anos 80.

O filme não mitifica o presidente Lula, mas aborda sua história com clara admiração. Ele é retratado como um ser humano normal – como de fato é – e que possui uma história de vida sofrida, alguém que nasceu na miséria e que, por seu trabalho, deixou-a no passado. Lula também é mostrado como alguém que erra – o que é imprescindível para que o filme funcione – e até mesmo os seus princípios éticos são questionados. Quando se candidata ao cargo de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Lula aceita defender o trabalho do então chefe máximo dos trabalhadores, a quem pretendia substituir, mesmo sabendo dos problemas de corrupção relacionados à sua gestão e mesmo sem concordar com o caráter daquele homem. Ou seja, não existe santificação de um personagem, por mais que o longa opte – às vezes de maneira errada - por alterar detalhes da vida de Lula, como sua timidez, que trazia tanto problema para ele na infância e adolescência.

O diretor Fábio Barreto (de O Quatrilho) desenvolve um drama contundente, que não cai no melodrama barato mesmo com a existência de passagens feitas para emocionar. A construção dessas cenas não incomoda e também não prejudica o filme justamente pelo fato de a história ser, de antemão, um drama pronto. Barreto explora a história de maneira eficaz e seu trabalho de direção é correto.

Os atores encontram espaço para construir grandes personagens por meio de suas atuações marcantes, mérito também de Barreto. Glória Pires brilha e emociona ao interpretar Dona Lindu, que divide com Lula o protagonismo da história. A mãe de Lula é a representação de uma realidade brasileira que incomoda, mas absolutamente verdadeira: a de famílias pobres, numerosas e que tem apenas a figura materna para cuidar de todas as tarefas domésticas e educar as crianças. Glória Pires constrói uma Lindu lutadora, mas pautada sempre por expressões de puro esgotamento, de cansaço com a vida. Por isso mesmo comove ver a verdade com que a atriz interpreta a emoção de uma mãe que se sente recompensada ao assistir às conquistas de seus filhos.

O até então desconhecido Rui Ricardo Dias é quem interpreta Lula, e seu trabalho de composição foge por completo da caricatura, sem a exploração excessiva da voz marcante do presidente, o que resulta em um trabalho de interpretação perfeito justamente por fugir da pura imitação, escolha que poderia, por vezes, tornar cômica a representação. E seguindo o caminho verdadeiro de não construir uma pessoa inexistente, Dias, com o aval de Barreto, entrega-se nas falas a pequenos erros de português. Esses equívocos gramaticais, que condizem com a realidade, tornam mais verdadeiros e convincentes os diálogos de Lula com a massa de trabalhadores metalúrgicos e que, como ele, tiveram de dividir os estudos com o trabalho pesado desde cedo.

E assim se constrói a história de vida de um homem de grande popularidade mundial, com uma história de superação única. Que a discussão política sobre os erros e acertos de seu governo fique para um filme sobre seus mandatos, e não sobre sua trajetória. O roteiro é redondo, assim como o resultado final do filme, mesmo com um defeito textual que beira ao ridículo, caso da absurda propaganda de uma marca de cerveja no momento em que Feitosa é reeleito presidente do sindicato pela chapa na qual Lula concorria para diretor.

Quando o filme chega à fase da ditadura militar e, mais tarde, nas grandes greves do ABC paulista, Barreto intercala cenas ficcionais com imagens de arquivo sobre os acontecimentos, o que aumenta a importância do filme por seu caráter histórico, registrando não só a história de Lula, mas também a história do Brasil.

Os aspectos técnicos também impressionam pela qualidade. A fotografia de Gustavo Hadba é bela tanto nas cenas do sertão nordestino, com cores quentes e uma impressão visual áspera, como nas cenas de São Paulo, quando as cores perdem o excesso de tom. Na cena em que a casa da família de Lula, em uma comunidade carente de São Paulo, é inundada após uma forte tempestade, o trabalho de fotografia é encantador. Espetáculo a parte é a trilha sonora de Antônio Pinto, que constrói a força da narrativa por meio dos tons ora altos ora baixos do piano e do violino marcantes da música-tema. Outro mérito é o excelente trabalho de edição, com cortes ricos nos quais a transição de tempo ocorre com fluidez, como, por exemplo, quando o Lula da adolescência dá lugar ao Lula adulto pelo simples baixar e subir de uma máquina industrial. Os cortes temporais são estabelecidos com elegância, o que torna a narrativa ainda mais eficaz.

Lula – O Filho do Brasil é um ótimo retrato histórico e poderia ser impecável se não fosse a existência de certas frases de efeito. De maneira geral, é uma produção grandiosa, consistente e bem realizada.

Comentários (4)

Luiz F. Vila Nova | sábado, 21 de Outubro de 2017 - 11:20

Ótima crítica. Realmente quando analisado sem contaminação política é um belo filme, comovente e bem realizado, retratando a vida de uma importante figura nacional com o qual nos identificamos. Glória Pires emociona.

Francisco Moura | terça-feira, 07 de Novembro de 2017 - 14:44

¨Muitas construtoras fizeram doações milionárias para a feitura do mesmo -, mas isso não atrapalha em nada a trama¨.😏

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