Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Simples em sua produção e ousado na sua proposta, Lunar é uma ficção futurística com foco na atemporalidade do humano.

8,0

Em tempos em que o gênero ficção científica confunde-se com a grandiloquência das grandes produções repletas de efeitos especiais sofisticados, torna-se curioso o caso de Lunar. Uma produção inglesa de certa modéstia, sem grandes pretensões, porém com alto teor filosófico, conta com argumento e direção de Duncan Jones, em seu filme de estreia – impossível deixar de mencionar que trata-se do filho do mega-astro da música pop David Bowie. O filme se passa num futuro utópico, onde a geração de energia para o planeta é originada da exploração de hélio das camadas rochosas da Lua, possibilitando a manutenção da vida na Terra sem a poluição desmedida que toma conta do mundo hoje. A empresa responsável por este grande feito chama-se justamente Lunar, e seu representante encarregado da tarefa na Lua é o protagonista desta história.

Sam Bell (Sam Rockwell, em ótima atuação) está há 3 anos num completo isolamento em uma estação espacial de exploração do território lunar, onde é supostamente o único humano encarregado da missão. Sua única companhia, ironicamente, é o robô Gerty, “interpretado” por Kevin Spacey. O filme se desenrola predominantemente nas cenas internas desta estação, e por meio do diálogo entre homem e máquina. Aqui, temos a inevitável comparação com o clássico (e obra-prima) do cinema 2001 - Uma Odisséia no Espaço. No filme de Stanley Kubrick de 1968, havia o conflito entre o personagem e o vilão robô HAL-9000. Já ali Kubrick antevia o relacionamento entre homem e computador, e a gradativa solidão do cidadão frente ao mundo rodeado por máquinas e novos aparatos tecnológicos.

Duncan Jones sacou isso de forma irônica em Lunar, uma vez que o robô Gerty exibe seu humor por meio de emoticons exibidos em sua tela, no melhor estilo smile, tão presente em e-mails e conversas de mensagens instantâneas. Há uma evidente ironia, uma vez que é de se presumir que no futuro robôs tenham capacidade de elaborar rostos humanos muito mais fiéis que um simples emoticon. Porém isso faz parte da estética e da proposta de tratar, com um viés futurista, o determinantemente contemporâneo, algo que Zeca Camargo batizaria em seu blog, ao comentar sobre este filme, como uma estética “futuro do pretérito”.

Ainda sobre a plasticidade cinematográfica de Lunar, é interessante notar como Jones opta por lentes do tipo grande angular, com uma imensa abrangência de campo visual, mas em ambientes internos absolutamente claustrofóbicos, tal como em 2001 - Uma Odisséia no Espaço. Como estas lentes estão muito modernas hoje em dia, não há mais a deformação ótica que havia nos filmes de Kubrick (mais notável ainda em Laranja Mecânica), e a duração do tempo das cenas e dos planos em Lunar é muito mais ágil e fragmentada, bastante condizente com a linguagem de cinema predominante atualmente. Chama muita atenção também a profundidade de campo das tomadas, onde o mais longínquo objeto ou logotipo ao fundo ganha nitidez e foco com auxílio da computação gráfica.

Lunar é um daqueles filmes onde oferecer qualquer informação mais detalhada sobre a narrativa em uma leitura pré-filme pode destruir com a experiência que ele pode proporcionar. O que é igualmente afirmar que é um roteiro bem construído, com um argumento extremamente original com inesperadas soluções, além de promover um mergulho denso (e bastante atípico) nas características do personagem. Consegue ser simples mas com uma sofisticação cinematográfica de muito bom gosto. Ainda que trabalhe com questões existenciais, jamais cai em divagações forçadas ou polêmicas fáceis. Há uma velada reflexão sobre as garras do corporativismo capitalista, a tirania da revolução biológica e genética, assim como um onipresente pessimismo frente a evolução tecnológica e da própria humanidade, cada vez mais desumanizada e unidimensional.

Chega a ser uma piada o fato de que o filho David Bowie tenha escolhido como tema para seu longa de estreia a presença do homem na Lua, já que seu pai ficou famoso por seu visual futurista, por seu apelo icônico de alienígena, um ser que veio do espaço, proclamado tanto nas suas roupas como em suas músicas (de “Ziggy Stardust” a “Ashes to Ashes”). De certo modo, Duncan Jones faz aqui o caminho inverso, leva o homem até lá. Poderia-se também forçar um curioso paralelo entre a história deste filme e a contida na letra da música "Space Oddity". Mas seria injusto e reducionista demais ligar o filme somente aos devaneios interespaciais de Bowie. Tal como o homem, o cinema sempre sonhou em chegar à Lua: já em 1902, George Méliès fazia o antológico Viagem à Lua, um marco do cinema mudo – certamente o filme de ficção mais notável do Primeiro Cinema, com efeitos especiais tremendamente revolucionários. Mais de um século se passou, o homem supostamente já pisou naquele território, e ainda estamos, na realidade e na ficção, alimentando este sonho de estar na Lua. Lunar parte deste princípio para tratar da atemporalidade da condição humana.

Comentários (0)

Faça login para comentar.