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Mad Max

(Mad Max, 1979)
7,0
Média
464 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A selvageria setentista em uma casca de noz.

7,5
Hecatombe nuclear. Guerra fria. Desastres naturais. Decadência social. Dissolução da família tradicional. Poluição. Drogas. Gangues armadas. Psicopatia. Chacinas. Toda a sorte de abusos, físicos e psicológicos. Vigilantismo. Hedonismo. Autodestruição. Assista um filme dos anos 70:  é tudo sobre violência e medo. Está todo mundo constantemente agredindo a si, aos outros, o ambiente onde vive, fugindo de ameaças, declarando guerra, surtando de vez. Normalmente é habitual que um filme se atenha unicamente a um ou mais tipos específicos e medos. Desejo de Matar (Death Wish, 1974) e Taxi Driver (idem, 1976) eram comentários sobre a violência urbana crescente. O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chainsaw Massacre, 1974) e Halloween (idem, 1978) situavam monstros humanos em lugares familiares. O Segredo do Bosque dos Sonhos (Don’t Torture a Duckling, 1972) e O Inquilino (The Tenant, 1976) denunciavam que havia algo terrivelmente errado por trás da vida supostamente normal. Corrida Contra o Destino (Vanishing Point, 1971) usava a velocidade como metáfora para a insatisfação com a vida tradicional.

Mas como foi dito, era o habitual habitual. Na Austrália, em 1979, o então curta-metragista formado em medicina George Miller juntou cerca de 400.000 dólares, um graduando da escola de artes dramáticas que atendia pelo nome Mel Gibson, as locações dos desertos australianos, carros velozes, figurinos improvisados e fez Mad Max. 

O debut de Miller na direção sintetiza toda aquela casca-grossa setentista que o cinema das décadas subsequentes ainda se esforça para competir com, e de uma só vez. Pense nos elementos tanto atacados pelos filmes da época, todos eles estão sendo superficialmente abordados no filme para ser pano de fundo para uma verdadeira catarse da atrocidade. Se havia alguma diferença do que vemos dos anos setenta para hoje é o extremo desencanto sob o qual os pilares estéticos das obras eram fincadas. 

Em O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), vem a grande surpresa de conhecer violentos homens de família. Em O Despertar dos Mortos (Dawn of The Dead, 1978) a sociedade é visto como nada além de consumidores famintos e alienados. Não há a nostalgia conservadora de outros tempos. Não há o sonho hippie da Era de Aquário. Nos resta, então, toda aquela grosseria niilista que em Mad Max teve um de seus ápices comerciais (o orçamento paupérrimo foi convertido em um lucro de 100 milhões) e que abriu uma leva no mainstream para todo um gênero novo (o pós-apocalipse) e deu oportunidade para inúmeros produtores e diretores tentarem, cada um a seu modo, repetir o primeiro impacto visto nos cinemas em 1979. 

Com a ambientação pós-apocalíptica só se tornando cânone mesmo com Mad Max 2 (The Road Warrior, 1981), tudo nesse primeiro filme é embrionário e, por isso mesmo, tão cru. Em tese, o mundo não acabou ainda (talvez não houvesse verba para produzir um cenário em tnao larga escala), mas a todo momento vemos sinais: o governo é fraco, quase inexistente (a sociedade é frágil que grupos vândalos conseguem desmontá-la com ataques desgovernados); o policial do filme age de maneira praticamente individual; os indivíduos comuns estão à mercê do sadismo dos antagonistas; domina a precaridade de figurinos e cenários e grande parte do filme se passa no longo “Outback” australiano, as imensas porções de terra sem ninguém. Não sendo a continuação de um apocalipse per se, Mad Max já certamente fazia mais do que a média em denunciar o protagonismo do caos e do sobrevivencialismo individual e retratava uma falência estrutural sistemática. Basicamente, Miller ensaiava de maneira quase inconsequente, sem maiores pretensões, para o que viria a fazer no mais consistente segundo filme, com um universo mais icônico e canônico. Já aqui, sem maiores compromissos, a atenção se volta mesmo para criar uma atmosfera que se sobrepõe a um filme largamente imperfeito.

Representando um papel tão icônico que é realmente impressionante ter conseguindo se desvencilhar, Mel Gibson interpreta Max Rockantasky, um policial rodoviário que subitamente tem sua vida pessoal destroçada ao tornar-se alvo de uma gangue de motoqueiros liderada pelo ameaçador Toecutter que queria revanche pelo policial ser responsável pela morte do companheiro Nightrider em uma perseguição. Após vandalizarem, pilharem e estuprarem pessoas em uma pequena cidade do interior, massacram de uma tacada só a família de Rockantasky, matando seu filho de maneira instantânea e deixando sua mulher às portas da morte por atropelamento.  E então vem o clímax. 

Sim, nós já havíamos anos antes visto Charles Bronson encarnar Paul Kersey, o homem de meia idade que, após uma tragédia envolvendo criminosos, se tornara um vigilante que saía distribuindo tiros em foras da lei. Desejo de Matar era um thriller dirigido com economia, preciosismo e cáculo por Michael Winner, onde em uma hora e meia de filme víamos a transição quase realista de um ajustado para um anacrônico. Com aproximadamente a mesma metragem, Miller não dispensa tempo para tanto: esse é um filme de vingança que já mostrara violência nua e crua para explicar de maneira didática o ódio entre motoqueiros e policiais rodoviários. 

Assim que é prejudicado, Rockantasky tira seu carro V8 Interceptor da garagem e se torna “Mad Max” e irá exterminar todos aqueles que o desgraçaram das maneiras mais cruéis e escabrosas o possível. Atropelamentos, colisões, tiros à queima roupa, mutilação; o filme de Miller é uma aula de diferentes maneiras de causar dano a um corpo humano. 

Há filmes da época que mesmo hoje valeriam inclusive fora do âmbito cinematográfico discussões acerca da natureza humana e sua impulsão para a violência - Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971), Sob o Domínio do Medo (Straw Dogs, 1971)... Não é o caso aqui; aceita-se que os vilões são criaturas cruéis sem origem por trás de si e que Max não hesita em ser violento de maneira justificada; a violência é algo inerente a nós, com seu potencial destrutivo desgraçando, traumatizando, redimindo, dignificando, dando significado à história e ao mesmo tempo esvaziando seu sentido. 

Max é moldado pela violência; é arrancado da vida comum por causa dela, torna-se uma figura reconhecida por causa dela, acerta as suas contas com aquele universo diegético a utilizando como ferramenta. Não sendo muito consequente já de início, ao final das contas, não há moral e amoral, apenas gato e rato, constantemente trocando papel de predador e presa em uma luta pela sobrevivência. Ao perseguir indivíduos descontrolados e instáveis, o já pouco freado Max mostra não ter maiores escrúpulos que o impeçam de se igualar. Naturalista, por assim dizer, seus personagens são representações humanas daquele ambiente, por isso dispensando maiores fundamentações psicológicas, o que constantemente prejudica a história sensacionalista, igualmente sentimentalóide e brutal, onde a causalidade lógica é simplificada até o limite. 

Mad Max é legítima cria do Ozploitation (o exploitation australiano) e um de seus principais detonadores, quando a classificação etária chegou à Austrália e o cinema local perdeu a vergonha de exercer a própria criatividade e perdeu a vergonha de ousar temas usualmente vetados, promovendo uma orgia de apelação. As histórias poderiam muito bem ser notícias de tablóides, tamanho o recorte exagerado que fazem, tudo voltado ao ineditismo nunca antes visto da violência. 

Sua grosseria seca e bruta, pretensiosamente engajada em “retratar a realidade” como desculpa para reproduzir a atração por perigo, velocidade e violência em uma história grande até demais, furada em vários pontos, com a música dramática de Brian May já prevendo as inspirações quase operísticas de Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (Beyond Thunderdome, 1985) e Mad Max: Estrada da Fúria (Fury Road, 2015) e causando a paixão em muitos jovens púberes por roncos de motores e pneus queimando asfalto, Mad Max levou o espírito dos anos 70 ao seu ápice, acelerando tudo que era até então explorado com parcimônia a duzentos por hora, em uma tour de force que ainda que imperfeita, impressiona pelo tamanho da raiva e urgência impressa a cada fotograma de película. Um clássico selvagem que, apesar de datado, ainda é verdadeiramente impressionante.  

Comentários (5)

Italo | sábado, 23 de Julho de 2016 - 19:48

melhor que o de 2015, bjs

Taumaturgo | sábado, 23 de Julho de 2016 - 21:51

Melhor que o de 2015, com certeza!

Pedro Henrique | domingo, 24 de Julho de 2016 - 14:42

Ótimo texto. Acho as sequências filmes bem diferentes, com méritos bem diferentes. Acho estranho ficar comparando.

Alexandre Carlos Aguiar | segunda-feira, 25 de Julho de 2016 - 10:37

Cada um dos filmes da suposta franquia é bom. Tem seus momentos espetaculares e seus defeitos, mas também cada um é independente. Não dá para se comparar e dizer que se trata de uma sequência ou revisão do mesmo tema, como Máquina Mortífera ou mesmo Duro de Matar. Porém, este primeiro é icônico e chega a representar uma geração, transformando muitos rapazes ainda com espinhas na cara em verdadeiros bad boys madmaxianos.

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