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Críticas

Cineplayers

Razão versus Ilusão.

7,0

Todas as vezes em que Woody Allen lidou com a fantasia em alguns de seus filmes, o resultado foi bastante particular. Embora tenha seu lado romântico assumido, o cineasta sempre pendeu suas conclusões para o lado realista (e pessimista) da vida. Assim sendo, a mágica sempre exerceu uma função de escape momentâneo nas obras em que decidiu aplicá-la, nunca chegando a de fato prevalecer sobre a razão. Em A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985), por exemplo, a protagonista se vê dividida entre o amor de um homem real e o de seu personagem preferido do cinema, que se materializou fora da tela. Por mais que seja tentador escolher a perfeição da ficção, ela opta pelo real, e com isso sela seu destino infeliz de decepção, abandono e solidão. Em Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010), há uma discussão entre escolher enfrentar a verdade, ou se esconder atrás de falsas esperanças e mentiras banais que fazem a vida parecer mais cor de rosa.

Agora, com seu novo filme, uma espécie de mistura de Scoop - O Grande Furo (Scoop, 2006) e Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, 2009), Allen volta a enfrentar esse dilema entre razão e ilusão com Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, 2014). Mais do que isso, ele finalmente confronta sua convicção de ateu com sua curiosidade pela possibilidade de vida espiritual através de seu novo alter-ego, um mágico brilhante interpretado por Colin Firth, e cético convicto que tem todas suas certezas abaladas depois de se ver diante de uma garota que apresenta inegáveis poderes mediúnicos (vivida pela adorável Emma Stone). Depois de tentar desmascará-la e descobrir seus “truques”, Stanley – que vive de enganar e iludir espectadores e paradoxalmente só acredita nos fatos da ciência – se vê em um dilema existencial. Será então que a vida não é essa tortura sem sentido, como dizia Nietzsche? Ela tem um significado? Há um “outro lado” nos esperando após a morte?

A comicidade do argumento está em mostrar um cético convicto tendo suas certezas abaladas e tendo de, invariavelmente, se entregar ao tão anteriormente repugnado otimismo dos tolos. Agora ele não tem mais uma razão de ser ranzinza, sisudo, rabugento, cínico, mordaz, esnobe e pessimista. Por mais que doa, ele tem de aceitar que a vida é bela, cheia de possibilidades e guiada por um propósito maior – aceitar que na verdade o tolo sempre foi ele, não os crédulos que sempre desprezou. Colin Firth entra em cena traduzindo muito bem esses conflitos de Stanley, e acertando no mesmo ponto que Cate Blanchett acertou em Blue Jasmine (idem, 2013), ao não se limitar a imitar os trejeitos neuróticos de Woody Allen, e conseguir compor seu próprio personagem.

Mas o que faz desse novo trabalho de Allen um filme tão singelo e solene é a abordagem sobre a magia, a partir da segunda metade. Não mais colocando a ilusão em uma balança com a razão, ele simplesmente a analisa como algo necessário para a vida de qualquer ser humano, por mais que esteja fadada a uma hora acabar e cruelmente se transformar em dor e saudade. Afinal de contas, mesmo em filmes plenamente realistas, Allen sempre recorreu a tal magia ao luar. Existiu entre Alvy Singer e Annie Hall em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977); entre Isaac Davis e Tracy em Manhattan (idem, 1979); entre Vicky, Cristina, Maria Elena e Javier em Vicky Cristina Barcelona (idem, 2008); e até entre todos os personagens apaixonados de Todos Dizem Eu Te Amo (Everyone Says I Love You, 1996), só para citar alguns. A magia dos filmes de Woody Allen – aquela que ilude, alegra, apaixona e confunde com seu misto de crueldade e ternura – sempre foi a mesma: o amor.

Comentários (4)

Alexandre Koball | segunda-feira, 01 de Setembro de 2014 - 13:37

A regularidade desse senhor é impressionante! 😁

Pedro R. Faria | terça-feira, 02 de Setembro de 2014 - 00:32

Hum... o filme parece ser interessante.
Vou ver se assisto esse fds.

Patrick Corrêa | terça-feira, 02 de Setembro de 2014 - 09:38

Adorei o texto, Heitor! Deu um show de concisão e repassou algumas das linhas mestras da filmografia de Allen.

O filme também é uma delícia!

Heitor Romero | terça-feira, 02 de Setembro de 2014 - 11:44

Obrigado, Patrick c:

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