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Críticas

Cineplayers

A busca por corpos perfeitos e resultados esportivos através de drogas é o tema deste documentário.

7,5

Em 1988, na Olimpíada de Seul, o corredor canadense Ben Johnson foi obrigado a devolver a medalha de ouro dos 100m rasos, pois fora pego no teste antidopping. O ocorrido deu início a uma cruzada mundial contra o dopping no esporte, com vários países aprovando leis severas, tornando os chamados esteróides anabolizantes tão proibidos quanto a cocaína. O segundo colocado na disputa, o americano Carl Lewis, proclamado novo vencedor, tornou-se o símbolo dessa nova onda.

Anos após o desonroso fato, o Comitê Olímpico Internacional refez os testes da prova fatídica e os resultados foram chocantes: não só Ben Johnson estava dopado, como 8 dos 10 corredores usavam alguma substância ilícita, inclusive Carl Lewis. A tecnologia da época não conseguiu detectar a fraude porque os americanos usavam uma substância para burlar o exame. E mais: 6 em cada 10 esportistas americanos que competiram na mesma olimpíada não passaram num teste interno e sigiloso do Comitê Olímpico Americano, recentemente aberto.

Esses e vários outros escândalos estão no documentário Maior, Mais Forte, Mais Rápido*, de Chris Bell, ele próprio, junto com os dois irmãos, ex-usuário de esteróides. Usando a experiência pessoal e familiar, o diretor tenta entender porque hoje os esteróides são tão consumidos nos EUA – entre os adolescentes na high school, já são mais populares que a maconha.

Seu documentário bem humorado, exaustivamente documentado, com um vasto leque de entrevistas, vai mostrando os grandes esportistas americanos que foram pegos em teste de dopping e outros ícones, como Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone e Hulk Hogan, artistas que confessaram ser usuários – no caso de Arnold, desde os 15 anos, fundamental para que ele tenha se tornado Mister Mundo com apenas 19 anos de idade.

Arnold é o personagem principal do documentário, pela simples razão de que o então adolescente Chris Bell inspirou-se nele para começar seus treinamentos e querer ser grande. "Nunca vi Casablanca na minha vida, mas sabia de cor todas as falas de Arnold em seus filmes", diz o diretor, que leva o assunto com inegável conhecimento e coragem, em especial mostrando o lado positivo dos anabolizantes, no caso dos portadores de AIDS, que conseguem ter uma vida mais ou menos normal com o uso desse tipo de medicamento.

Ele não perdoa Arnold. Uma vez presidente do Comitê Olímpido Americano, nomeado pelo presidente Ronald Reagan, escondeu vários relatórios sobre o uso de anabolizantes no esportes americanos, incentivou pesquisas de remédios para despistar as drogas em testes internacionais, sendo que ele próprio, usuário confesso, estava eticamente impossibilitado de assumir o cargo, para o diretor influenciando milhares de crianças e adolescentes – uma parte dos 5.000 adolescentes que se suicidaram nos EUA em 2008 escondiam o uso de esteróides dos pais.

Mas o documentário, lotado de dados, não fica na esfera oficial de documentos e leis. Procura entender como se chegou a essa situação. Ao ganhar contornos mais universais, abre o espectro e fica mais interessante. Nesse ponto, Bell dirige suas câmeras para os maiores centros de treinamento físico dos EUA e mostra a obsessão dos atletas com o ideal da força física, ademais universal e atemporal.

Mostra o fanatismo das torcidas dos grandes times de futebol, beisebol e hóquei, entrevistando médicos e pesquisadores que não sabem afirmar, uma vez que não existem estudos conclusivos, sobre os efeitos do uso prolongado dos anabolizantes no corpo humano (calvície, atrofia dos testículos e problemas do fígado são certos). No caso das mulheres, ele filmou o corpo peludo das halterofilistas, uma delas com pomo-de-adão, a maioria com uma voz mais grossa que o diretor.

Uma das entrevistas mais engraçadas (o filme é todo bem humorado, apesar da seriedade do assunto) é com Stan Lee, o criador do Capitão América, para o diretor o herói anabolizado por excelência da cultura pop. Stan Lee disse que, quando ia à praia, ficava com inveja dos bíceps dos fortões, que por fim foram a fonte de inspiração para o cartoon.

Bell entrevista defensores dos anabolizantes. Dizendo que nenhuma droga é 100% segura, afirma que muita gente injetou tetosterona e outros químicos a vida toda sem nenhum efeito colateral (segundo ele, apenas 5% da população tem alguma rejeição aos anabolizantes) e que a maior parte parte dos casos de internação e intoxicação é causada pelo uso excessivo do produto, afora a paranóia e os exageros cometidos por parte da imprensa.

Ao adentrar no meio das revistas de musculação e deixar o microfone aberto aos halterofilistas, editores, modelos e donos de agências de casting, ou seja, quem ganha dinheiro com o fitness, Chris Bell realmente informa, pois não os julga, faz brincadeiras para descontrair e, assim, tirar deles a informação que quer: a idéia de que, para se ter o corpo perfeito, é imprescindível usar esteróides, como se ninguém fosse capaz pelos próprios esforços. Mostra também os avanços da medicina no dopping genético, filmando uma vacas duas vezes maior e mais forte que as irmãs sem nenhum aditivo químico, apenas manipulação genética.

Quando, no entanto, entra no ambiente familiar, o filme desanda. O diretor reúne a família para confessar que usou Winstrol na faculdade. A mãe chora e pergunta se o erro está nela. Tudo soa falso e desnecessário, aproximando-se da escola Michael Moore de documentário populista. Felizmente, quando enfim encontra Arnold, a cena não é constrangedora como a do encontro de Moore com Charlton Heston em Tiros em Columbine, mas hilariante, irônica –  fascinado pelo ídolo que tenta demolir, o diretor vota nele para governador da Califórnia.

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