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Críticas

Cineplayers

A beleza do homem explorado.

7,5
As belas cenas captadas por Rahul Jain não apenas abrem como também compõem com maestria grande parte da duração de Máquinas, documentário que integra a competitiva principal do Olhar de Cinema. Uma radiografia visual a princípio do funcionamento de uma fábrica de tecidos na Índia não precisa de mais do que as imagens para impressionar, e desde a abertura com a câmera invadindo os portões da fábrica para mostrar o dia a dia local fica claro que haverá um contraste entre a beleza estética que será conseguida e a dureza dessa realidade, um esforço braçal sem igual e na qual teremos todo o acesso possível, nos conduzindo a uma jornada tão rica em detalhes e palpável, que junto com o caleidoscópio de cores aplicadas parece vir também todo o odor local, sua textura e sua dimensão. É fácil se deixar levar pela grandiosidade proposta e rapidamente estamos boquiabertos com o requinte estético empregado. 

Mas a que custo essas imagens são captadas? O primeiro depoimento demora a sair, mas ele vem certeiro como uma flecha. Um dos trabalhadores explica como a força braçal é necessária, mas que sem alguns cérebros nenhum trabalho evolui, mesmo que isso não se imagine. Com espetacular fotografia a cargo de Rodrigo Trejo Villanueva, o longa de Jain é o trabalho de conclusão de curso de sua faculdade de cinema, que impressiona pelo tratamento profissional que apresenta, inclusive em seus possíveis defeitos. Que fique claro que tecnicamente eles não existem; além da fotografia, o desenho de som do filme é nunca menos que exemplar, proporcionando uma viagem também sonora àquele todo, que é radiografado de maneira intensa. A montagem também tem um papel preponderante na produção, que intercala de maneira precisa grupos que parecem se complementar, até Jain decidir falar pra mais do que sua própria aldeia.

Ao começar a dar voz aos profissionais da fábrica, seus sonhos, suas dores, suas derrotas e inclusive crianças terem suas vozes ouvidas, o jovem diretor parece ter percebido que os anos na faculdade americana não foram suficientes para apagar suas origens e mesmo sua cultura. Mas aí Jain começa a ouvir também a classe dominante, os patrões e donos das empresas. Não teria nada de mais se o filme não aparentasse estar em cima do muro, mesmo depois de filmar e acompanhar a rotina destruidora de lastros de sonhos e esperanças. Se julgando uma grande vítima e falando coisas inimagináveis como "não posso aumentar salários porque provavelmente a partir daí os trabalhadores vão ficar descansados e preguiçosos, e irão produzir bem menos". Isso tudo após cada espectador acompanhar situações mais que insalubres, envolvendo inclusive crianças. É nesse momento que toda beleza estética parece começar a derreter. 

Ao ouvir no final de seu filme uma série de perguntas provocativas em direção a si mesmo, creio que Rahul Jain deixe mais ou menos claro que sua visão de mundo ainda é muito embaçada e ele precisa evoluir narrativamente. "O que você está fazendo aqui? Você vai nos ajudar a sair dessa situação, a ter um trabalho digno, com salários dignos?", diz o último entrevistado com questões cruciais ainda que pessoais. Enquanto era um estudo imagético sobre o funcionamento milimétrico de um dos polos de indústria têxtil indiano, Máquinas conseguia ser agudo sem precisar apelar para representações de clichês, só no campo da imagem e dizia tudo. O problema é a responsabilidade social que você assume a partir da verbalização e de escolher pegar todos os lados das moedas. Nesse momento, você politiza seu produto... e daí seu filme não pode mais apenas depender do subjetivo. O problema é que, com diversos depoimentos ali, simplesmente a parte técnica empalidece diante do quadro geral. 

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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