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Maradona

(Maradona by Kusturica, 2008)
6,2
Média
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Críticas

Cineplayers

O retrato de Kusturica para Maradona é deprimente.

1,0

O mundo das celebridades é engraçado: assim que certa pessoa atinge tal status, passa a ter suas opiniões sobre qualquer assunto validadas como de alguém com forte influência pública. Já nos acostumamos a ver um ator falar sobre mudanças em costumes sociais, um político falar sobre a escalação da seleção brasileira, um ex-BBB comentar filmes, e claro, esportistas metendo o bedelho em assuntos políticos. Maradona é um dos exemplos mais cristalizados disso, com suas opiniões fortes sobre integração latino-americana contra o “imperialismo”.

O cineasta sérvio Emir Kusturica comprou a ideia, e decidiu dar voz ao argentino em seu novo filme. Mais do que um estudo de personagem, é simplesmente um trampolim para as idéias mirabolantes do jogador argentino, sobre todos os aspectos possíveis, desde sociais até esportivos, mas tendo como frente sua ação no campo político recente.

É uma raridade termos um esportista com consciência de suas ações e declarações, e marcar uma presença importante e impactante para a vida social e política de seu país e do mundo, como vemos em Roger Federer ou Flávio Canto, por exemplo. Aparentemente, para este grupo de celebridades, o ideal são as frases polêmicas e prontas, ou ainda declarações controversas e simplesmente estúpidas, o que marcaram o pós-carreira de Pelé e Maradona, por exemplo.

Termos então, um cineasta do porte de Kusturica, ou qualquer outra pessoa que usa o cinema como um meio de expressar suas idéias e pretensos talentos, se rebaixar a um nível de seguidor incondicional de Diego Armando Maradona, seja em declará-lo a todos momentos o melhor jogador de futebol de todos os tempos (o que não é nenhum exagero) ou, e aí está a gravidade, apresentar as idéias dele sem nunca questioná-lo, mesmo quando obviamente o argentino está falando besteira atrás de besteira, especialmente em sua cruzada anti-americana a favor dos “oprimidos” na América Latina. Não seria um espanto se Kusturica tivesse integrado a igreja do jogador.

Emir se mostra um grande bobão. Enquanto ri de tudo que Diego fala, apresenta sua família para ele (o filho se diz emocionado de “encontrar deus em pessoa”), e chega ao cúmulo de agradecer por ter sido Maradona a última pessoa que sua mãe falou enquanto estava viva. Mantém seus discursos políticos, anti-imperialistas, anti-Bush, anti-ALCA, típicos do protesto vazio. Sobre a aliança que “Dieguito” faz com Chavez, Fidel ou Evo, nada se tem a reprimir.

Durante os insuportáveis 90 minutos de filme, temos declarações impagáveis como a em que Maradona reclama que os EUA acusam a Colômbia da produção de cocaína, quando os culpados são os consumidores americanos. Mesmo que durante a parte final, ele lamente imensamente sua época de viciado, essa declaração é no mínimo hipócrita, assim como acusar dirigentes por ele e Caniggia (um dos melhores jogadores argentinos de sua época) terem sido os únicos pegos em exames anti-doping.

Outras declarações do gênero se seguem, principalmente quando o assunto vira a política. Diz que nunca apertaria as mãos do Príncipe Charles, mas nunca se posicionou contra os ditadores argentinos, que estes sim, levaram à Guerra das Malvinas. Isso nos leva, aliás, a cena mais insuportável do ano talvez, quando por cinco vezes espalhadas pelo filme, assistimos ao “Gol do Século”, aquele que Maradona fez contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986, em partida válida pelas quartas-de-final, carregando a bola do meio do campo e driblando vários defensores ingleses. O grande problema é que logo no começo da jogada, sempre ao som de “God Saves the Queen” do Sex Pistols, entra uma cena de animação engraçadinha com Diego driblando algum inimigo político dele, seja Margaret Thatcher, Ronald Reagan, George Bush ou o já citado Príncipe Charles. Como se, aliás, Thatcher tivesse ficado um pouquinho chateada com a “grande vingança” que Maradona causou nesta partida válida pelas quartas-de-final da copa.

Aí estão expostos os grandes defeitos do filme. Por que será que Diego nunca “driblou” um dos generais argentinos? Por que sempre escolheu alvos fáceis e populares? De maneira similar, age Kusturica, bem covardemente apoiando e nunca querendo fazer um documentário realista sobre o esportista. Parecia mais um seguidor da Igreja de Maradona, retratada no filme, com uma paixão quase enlouquecida, algo que “o melhor jogador de todos os tempos” naturalmente provoca. Na única vez que fala um pouquinho mal de Maradona, apenas está querendo mostrar como Diego tem uma visão romântica dos pobres e do local aonde ele nasceu. Não que ele faça por mal, mas só por ter um bom coração, apesar de não visitar o local há décadas.

Era de se esperar tal postura do Maradona, sempre amargo com seus rivais, e com uma memória seletiva impressionante sobre seu tempo em atividade, mas é de se espantar que Kusturica assuma todas as visões de Diego, sem nunca tentar apresentar contradições tão óbvias, e fazendo um típico filme para fãs. É incrível também como ele aproveita para promover uma retrospectiva de seu trabalho, sempre ligando frases e histórias do jogador com cenas de seus filmes. Mais deprimente, impossível.

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