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Críticas

Cineplayers

Poderia ser um grande filme, não fossem suas duvidosas escolhas estilísticas.

7,5

É fato: qualquer novidade cinematográfica que gere milhões no início logo será utilizada à exaustão. A mais recente vítima da falta de criatividade? O estilo “found footage”, que conquistou multidões em filmes como A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), Cloverfield – Monstro (Cloverfield, 2008) e Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007). Se deu certo – ao menos em termos de arrecadação – em produções como estas, o recurso já começa a mostrar sinais de desgaste, inclusive sendo utilizado de forma gratuita em filmes que se beneficiariam muito mais de uma abordagem tradicional.

Basta ver o caso de Marcados para Morrer (End of Watch, 2012). O novo trabalho do cineasta David Ayer, roteirista de Dia de Treinamento (Training Day, 2001) e diretor do pouco visto Tempo de Violência (Harsh Times, 2005), utiliza o recurso do “found footage” para mostrar o dia-a-dia de dois policiais em Los Angeles, com cenas capturadas através das câmeras do carro ou filmadas pelos próprios oficiais. Este, no entanto, é o grande problema da obra: ao mesmo tempo em que acerta na construção de um núcleo dramático eficiente (como se verá mais adiante), Marcados para Morrer se torna quase insuportável em função de sua câmera irrequieta, que muitas vezes impede a compreensão do público em relação ao que está acontecendo.

Na realidade, o filme escrito e dirigido por Ayer já falha ao não estabelecer uma regra definitiva para aquilo que é apresentado para a plateia. Em outras palavras, o cineasta mescla o estilo “found footage” com o tradicional: em certos momentos, o que se vê na tela é capturado por uma câmera diegética, enquanto em outros não, sem algo que justifique esta abordagem – um problema que também prejudicou outra produção recente que adotou o recurso, a comédia Projeto X – Uma Festa Fora de Controle (Project X, 2012). O mais estranho é que, mesmo quando a cena não é filmada pelos personagens, o estilo adotado segue o mesmo, em uma opção sem muita lógica por parte do cineasta.

Para piorar, o que se vê em Marcados para Morrer não é apenas aquilo capturado por uma câmera diegética, mas sim aquilo capturado uma câmera diegética quase epiléptica, que assume os vícios de linguagem atuais dos filmes de ação: câmera sempre em movimento, excesso de cortes e dificuldade em acompanhar o que se vê na tela. Sim, o recurso por vezes é capaz de transmitir o realismo buscado por Ayer, porém, na maior parte do tempo, revela-se nada mais do que irritante: a cena na qual os dois policiais invadem uma casa em incêndio, por exemplo, é filmada de forma tão confusa que é quase impossível sentir qualquer espécie de tensão ou emoção – e esta não é a única sequência na qual isso acontece.

Tudo bem que esta é uma opção do cineasta e faz parte da proposta adotada por David Ayer, mas aí surge a pergunta na mente do espectador: o filme realmente precisava desta abordagem? Será que o estilo tradicional de filmar não seria mais eficaz? Marcados para Morrer não tem o interesse em compor quadros bonitos ou construir cenas bem montadas: os planos fechados e a câmera grudada ao rosto são a constante, culminando em uma produção nem sempre fácil de assistir. Mais do que isso, a crueza e a verdade buscadas por Ayer com este estilo não são alcançados pelo modo de filmar, mas sim porque a produção se sai incrivelmente bem em outro tema: no desenvolvimento dos personagens e da relação entre eles.

Em essência, Marcados para Morrer é uma verdadeira ode ao trabalho policial. Desde a narração inicial de Jake Gyllenhaal, fica claro que a intenção de David Ayer é valorizar estes oficiais: aqui, todos os policiais são bonzinhos e valorosos, não há qualquer menção à corrupção e o companheirismo entre os profissionais é quase palpável. E é exatamente aí que o filme encontra a sua força. Ao preferir não seguir uma trama propriamente dita, Ayer aposta quase unicamente na interação entre os policiais, ressaltando a parceria, a amizade e o sacrifício que existem no dia-a-dia deles. Nesse sentido, Marcados para Morrer é nada menos do que espetacular: a química entre Jake Gyllenhaal e Michael Peña é quase inacreditável e a plateia realmente acredita que os dois oficiais são amigos há mais de anos. As conversas de ambos dentro do carro sobre assuntos triviais atingem o grau de verdade que Ayer nem sempre consegue imprimir nas cenas mais movimentadas – e podem, sem sombra de dúvida, figurar entre os grandes momentos do cinema em 2012.

Como resultado disso, Marcados para Morrer se torna um filme no qual a plateia se identifica e se importa com os personagens, encontrando aí o lastro para a tensão que as cenas com câmera tremida deixam de construir. Da mesma forma, a emoção gerada pelo desfecho da história e por outros momentos específicos jamais parece forçada; pelo contrário, é uma consequência natural do fato do espectador gostar daqueles personagens. Até mesmo a entrada em cena de Anna Kendrick e Natalie Martinez, como os pares românticos dos protagonistas, contribui para isso, uma vez que as atrizes mostram-se tão naturais em cena quanto Gyllenhaal e Peña. Os instantes passados no casamento de Taylor e Janet, por exemplo, parecem tirados da cerimônia de algum amigo próximo.

David Ayer também acerta a mão em outros elementos de Marcados para Morrer, e a forma como retrata a violência é uma delas. O cineasta evita qualquer glamourização, apresentando o lado mais perigoso da tarefa dos protagonistas como se fosse algo natural ao trabalho. Assim, a cena na qual um personagem aparece com uma facada no olho é filmada sem nenhum destaque, como se fosse apenas mais um dia de trabalho. Da mesma forma, Ayer não tem medo de dar ao seu filme o final corajoso que ele pede, além de construir algumas cenas interessantes, como aquelas em primeira pessoa que mais parecem um videogame ao estilo Call of Duty – e não deixa de ser eficaz a forma como o diretor utiliza constantemente o som do rádio do carro dos policiais, contribuindo para o realismo até mesmo no clímax da produção.

Marcados para Morrer é, com tudo isso, um filme bastante peculiar: na maior parte do tempo, as escolhas adotadas pelo diretor soam equivocadas, mas a obra funciona de maneira tão exemplar nos momentos mais intimistas que acaba possuindo forte carga dramática, garantindo um saldo positivo. Por pouco não é algo realmente memorável, mas ainda assim merece ser valorizado.

Comentários (1)

Daniel Oliveira | quinta-feira, 07 de Fevereiro de 2013 - 19:17

Ótimo texto Pilau! Gostei bastante do filme, o clima de tensão é absurdo, muito bom.
Compartilho com vocês o texto que escrevi sobre a obra:

http://cinefilosantista.blogspot.com.br/2013/02/critica-marcados-para-morrer.html

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