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Críticas

Cineplayers

Filme duro de se assistir, mas que recompensa quem conseguir ir até o seu final.

7,5

Muito elogiado no exterior, vencedor do Grande Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, o filme irlandês Red Road chega ao Brasil com o título de Marcas da Vida. Conta a história de uma policial que passa os dias vigiando implacavelmente um condomínio barra pesada de Glasgow chamado Red Road. Por que ela vigia? Só saberemos bem mais adiante: lá está morando um ex-presidiário. O que ele fez? Só saberemos no fim. Por que ela o vigia tão incansavelmente? Só nas últimas cenas há a resposta (não vou dizer aqui). 

Marcas da Vida é isso: uma história rolando sem os antecedentes para entendê-la. Você assiste, assiste e assiste ao filme sem nenhuma pista do porquê daquela caçada fulminante. Cansada de só vigiar, a policial desce e se mistura aos vigiados, apesar do medo e da desconfiança. O ex-presidiário não a reconhece. Ela arma então um violento plano de vingança contra ele – sem, claro, a platéia saber do que se trata.

Nem mesmo aos parentes da policial temos acesso. Ela fala com eles, não sabemos quem é quem (se é avô, pai, tio ou sogro), por que ela está brigada com eles, muito menos por que o relacionamento fica tão difícil no dia de um casamento. A policial também não tem amigos, nem amantes: apenas faz sexo casual com um homem casado dentro de um carro na hora do almoço.

Quem conseguir agüentar as quase duas horas de indefinições e falta de pontos de apoio será recompensado ao final, não só pela elucidação da trama, mas pela emocionante e surpreendente redenção da personagem principal e de seu algoz, envolvidos em terríveis culpas que só puderam ser resolvidas por meio da expiação coletiva.

Pode-se reclamar do roteiro esquemático e do quão demoradas são as pistas para a engrenagem da história. Afinal, o primeiro lance entre os dois inimigos se dá depois de 45 minutos de iniciada a trama e o espectador é obrigado a ficar retendo detalhes e mais detalhes para compor a tênue linha dos acontecimentos. Além disso, a diretora não dá moleza e filma uma cidade feia, suja e escura, em que os habitantes fazem sexo encostados nos muros e almoçam em espeluncas cheias de baratas. O trânsito, o barulho e o vento frio impedem a completa relação da cidade com seus cidadãos. Glasgow ganhou um retrato horrendo.

As cenas de sexo são mecânicas e cruéis. São mostrados os órgãos genitais (ele bota a camisinha no pênis ereto). Simula-se um estupro, com manipulação de esperma recolhido de uma camisinha jogada num vaso sanitário. Palavrões jorram da boca de todos. Ninguém troca de roupa ou faz a barba. Os apartamentos do prédio são fétidos e até o animais, depositários de calor humano, são retratados com displicência. Sim, Red Road é dureza.

Mesmo assim, Red Road venceu, além do prêmio em Cannes, outros 11 distinções, como o de melhor cineasta estreante no Bafta (Oscar inglês). A dupla de atores (Katie Dickie e Tony Curran) venceu o British Independ Awards. Com certeza vão seguir carreira, pois são ótimos. Ela conseguiu passar toda a complexidade da personagem. Ele realmente convence como alguém ameaçador. Enfim, um filme tão difícil de acompanhar quanto o sotaque irlandês ou um livro do James Joyce, mas, como sempre, há compensações para quem enfrenta a parada.

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