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Críticas

Cineplayers

Frente ao horror.

8,0

Novamente, um romance de Dennis Lehane é transportado para as telas para analisar discussões éticas a respeito do comportamento humano diante da plenitude do horror de se ver preso a eventos inesperados, trapaças inimagináveis do destino. Sempre com ênfase na questão da omissão de fatos, dos efeitos nocivos de se alimentar uma mentira ao esconder a verdade. Se em Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003), o jogo feroz para identificar o culpado pelo brutal assassinato poria à prova amizades de outrora e destruiria gradualmente a racionalidade dos indivíduos, a trama de Medo da Verdade (Gone, Baby Gone, 2007) também captura esse intenso conflito moral entre personagens sempre ramificados por rígidos padrões sociais e princípios básicos de caráter.
 
Assim como fizera Clint Eastwood, nesta sua estréia na direção, Ben Affleck aponta a lente de sua câmera para aqueles seres marginalizados pela sociedade, construindo um prisma verossímil sobre a vida nos subúrbios americanos. O roteiro entrega-se plenamente ao estudo de um mundo sujo, distante da pompa das elites ou do conforto das classes mais favorecidas. É sobre uma comunidade que se comove com o caso da pequena Amanda McCready, de quatro anos, que desapareceu do bairro carente em que residia junto de sua mãe e parentes. E mesmo com a mobilização de departamentos policiais, demais autoridades e da própria vizinhança, dois detetives particulares são contratados pelos tios da garota, para ajudarem a descobrir pistas sobre seu paradeiro.
 
Adotando um ritmo narrativo ágil, Affleck nos introduz profunda e intensamente num espetáculo mergulhado em trevas, que põe sempre em discordância a índole dos envolvidos e contesta cada qual dos fatos apresentados na mesa. É um filme onde todos são suspeitos absolutos de algo que ainda encontra-se muito acima de uma explicação racional. Assim, encontramo-nos inertes a este jogo insano de verdades e mentiras, fatos e omissões, onde o desaparecimento de uma menor é apenas o precursor de uma esfera de desafios, de uma bola de neve que rapidamente transforma-se em avalanche. Como nas obras de Lehane, temos o protagonista imobilizado por um fato que abala inteiramente a vida que levava anteriormente, seja a exemplo da missão incumbida ao policial Lee Daniels em Paciente 67 (Ilha do Medo [Shutter Island, 2010], adaptado por Martin Scorsese), ou até mesmo a trágica perda de um ente querido de Jimmy Markun em Sobre Meninos e Lobos.
 
O sumiço da garotinha Amanda é o fator a conturbar a vida pessoal e profissional de Patrick Kenzie (Cassey Affleck, numa atuação que não transmite o poder conseguido por seu desempenho em O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford [The Assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, 2007]), bem como de sua parceira Angie Gennaro (Michelle Monaghan), que se vêem completamente desarmados diante dos rumos inexplicáveis que a investigação está tomando. Ainda mais forte é o peso concentrado em suas costas ao prometer a mãe da menina o reencontro e a salvação de sua cria. Esses adicionais do roteiro tornam a carga dramática da obra ainda mais visceral, não obstante disso a cena em que a personagem de Amy Ryan (numa interpretação forte que não se ofusca nem ao menos por seus companheiros mais experientes) implora pelo resgate de sua filha com vida é, de certo, o maior pico emocional da projeção. A partir de então, consumimos a mesma angústia dos que anseiam pelo bem-estar da criança, desesperados por um sinal qualquer de que ela ainda esteja com vida.
 
A imersão que Ben Affleck faz naquele universo sob fachadas possibilita sua trama a um estudo mais consistente de seus personagens, mais especificamente de suas reações diante do perigo, do temor. Mais que isso, a fita abre portas para que o público também encare as figuras mais repudiadas pelo círculo social, desde pedófilos, traficantes a outros facínoras que infectam a cidade de Boston. A eficaz fotografia banhada em sombras envolve tais criaturas de forma particular, emboscando-os no quadro como monstros fatais, aparentes responsáveis pelo caos promovido pela angustiante atmosfera. Do mesmo modo que essa mesma escuridão passa a vestir mais e mais personagens, como sendo um juiz que sentencia aqueles que omitem a verdade e ostentam mentiras consigo.
 
Medo da Verdade peca, no entanto, em sua reta final, quando dá brechas para um excessivo e atropelado jogo de revelações, onde o diretor parece ignorar um imprescindível ritmo pausado à narrativa para a digestão de tantas - e tamanhas - reviravoltas. Chegamos então à desoladora cena de encerramento, já estupefatos por conta das reflexões inquiridoras a que somos submetidos. Uma profusão de indagações preenche a exibição, a respeito do certo e do errado, do sabor da culpa e da ciência da ética, da paz consciente e do conflito interno ilustrado por expressões faciais. Os personagens encerram a exibição com um simbólico olhar para frente, um ligeiro pensamento sobre o futuro. Sem a certeza do que o amanhã reserva, certos apenas de uma dúvida que sempre lhes consumirá por completo.

Comentários (18)

Bruno Kühl | sábado, 15 de Outubro de 2011 - 00:28

"Como vou saber se não gosto do texto sem ler?"
Não continue a ler, se não estiver gostando. Simples assim.

Sinto cheiro de inveja... (2)

Jivago Oliveira | sábado, 15 de Outubro de 2011 - 12:00

''E não ligue pra comentários idiotas de gente que não tem o que fazer.''
Então se tivermos uma opinião que não seja elogios somos idiotas e vagabundos? isso é meio que um contracenso, dentro de um site de criticas...

"Sinto cheiro de inveja..."
Se criticar é sinônimo de inveja, então o sonho de Júnior Souza era ter feito a refilmagem de "A hora do espanto", pois ele falou mal pra caramba desse filme.

Pessoal, eu só estou me referindo ao texto, aparentemente ele sacrifica a fluídez e até a coerência em prol de uma linguagem prolíxa, desnecessária e ultrapassada, pelo menos no que se refere ao gênero... Ele escreve para que um público leia e compreenda o seu ponto-de-vista com relação a determinada obra de arte. É ridículo e não aconselhável que alguem se esforce tanto para transformar uma crítica em um texto literário parnasiano... É o público comum que vai ler e não uma banca da ABL.
Não tô dizendo que o texto não pode ter um estilo autoral. Autoral, sim, forçado, não... Veja grandes críticos cinematográficos e literários, notem a diferença. Menos é mais...
Para ilustrar, leiam o último parágrafo da crítica e tentem descobrir o que o autor quis dizer, do que ele começa e termina a falar... É um desafio.

Bruno Kühl | sábado, 15 de Outubro de 2011 - 14:48

"Se criticar é sinônimo de inveja, então o sonho de Júnior Souza era ter feito a refilmagem de "A hora do espanto", pois ele falou mal pra caramba desse filme."
Não generalize...

"Para ilustrar, leiam o último parágrafo da crítica e tentem descobrir o que o autor quis dizer, do que ele começa e termina a falar... É um desafio."
Pior que é confuso mesmo, mas dá pra entender 🙂

Marcus Almeida | sábado, 15 de Outubro de 2011 - 14:48

Jivago, o lance da inveja foi pro Victor Bruno.

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